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Beth Lima: ‘Acho que saí na hora certa, porque a Televisão mudou’

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Beth não só se recuperou de um grave acidente como anda cheia de energia

Beth em foto recente numa exposição em Londres

Maya Santana, 50emais

Tenho ainda viva na memória a lembrança daquela noite. Estava me aprontando para sair com amigos, quando o telefone tocou. Já atrasada, corri para atender. Do outro lado, uma aflita Valeria Sffeir, jornalista da Globonews e amiga querida, que nos deixaria tão cedo, mal esperou eu dizer alô: “Você sabia que Beth Lima sofreu um acidente e está em coma num hospital em Londres?” Precisei me sentar. Pedi que repetisse. Sem condições de raciocinar, desmarquei o compromisso e comecei a longa sequência de telefonemas para a Inglaterra em busca de informação. Era 2006. Finalzinho de dezembro.

No começo da carreira, em BH, numa entrevista com o paisagista Burle Max

No começo da carreira, em BH: entrevista com o paisagista Burle Marx

Quase 10 anos depois do episódio que marcaria o afastamento definitivo da TV da primeira jornalista escalada por uma emissora brasileira – a Globo – para cobrir arte, música e moda na Europa, muita gente ainda pergunta onde anda Beth Lima, com seu jeito elegante, seus textos irônicos e criativos, sua presença sempre charmosa no ar? Há poucos dias, com aquela discrição mineira que é sua marca, Beth esteve no Rio. Retornava de Belo Horizonte, onde foi visitar familiares, inclusive a mãe, já com 90 anos. Foi a primeira vez em nossa longa e cultivada amizade que ela me contou os detalhes do acidente, ocorrido na antevéspera do Natal de uma década atrás.

Entrevistando o cantor e compositor britânico Elton John, nos anos 90

Entrevistando o cantor e compositor britânico Elton John, nos anos 90. Foto: Tinda Costa

Antes de se mudar para Londres no final da década de 70, Beth viveu em Paris com o companheiro Robert Faith, empresário proprietário da Editora Objetiva, na época, correspondente da Rede Globo. Ela estudava francês na Nouvelle Sorbonne, frequentava os museus e desfrutava da intensa vida cultural da capital francesa. Mas não lamentou quando tiveram que se transferir para Londres , em plena era pós-Punk.

Esta foto é de 1994, quando esteve com  Margareth Thatcher. A então primeira-ministra pediu sua opinião sobre o que deveria usar na visita que faria à América do Sul, inclusive ao Brasil. Beth aconselhou: use algodão, porque o linho amarrota muito

Quando esteve com Margareth Thatcher, em 1994, a então primeira-ministra pediu sua opinião sobre o que deveria usar na visita que faria à América do Sul, inclusive ao Brasil. Beth aconselhou: Leve peças de algodão, porque o linho amarrota muito

Apaixonou-se pela cidade desde o primeiro instante e desenvolveu laço tão profundo com a sofisticada metrópole que nunca mais cogitou viver em outro lugar. Até escreveu um livro “Londres, modo de usar (1996)”, guia turístico e cultural da cidade. Na gélida noite de inverno de 23 de dezembro de 2006, acabara de deixar o novo apartamento, em Westbourne Park, não muito longe do Hyde Park, que havia comprado dois dias antes. Parou na esquina com a intenção de acenar para um táxi.

Vestida elegantemente, com casaco, para se proteger do rigoroso frio, Beth pretendia jantar com sua velha amiga Flora Cisneiros, funcionária de longa data da embaixada brasileira em Londres. Desceu o quarteirão tranqüila, pois tinha tempo para chegar ao apartamento onde era esperada pela octogenária, com quem amava conversar. Na esquina, não teve tempo de levantar o braço para chamar o táxi: do nada, surgiu um BMW que a colheu em cheio. O carro se envolveu em uma batida com um táxi e acabou lançado em cima do passeio, exatamente onde ela estava. “Eu não vi nada. Acordei 10 dias mais tarde no CTI de um hospital”, contou Beth, lembrando que foi Stephen Bailey, Produtor de Eventos , pai de seu filho Sebastian Bailey, quem a tirou da perplexidade. “Stephen, onde eu estou?”

Com o filho, Sebastian Bailey

Com o filho, Sebastian Bailey

Nesta época do ano, a diferença de horário entre Londres e Brasília é de quatro horas. Assim, quando o acidente aconteceu, por volta das 8h da noite na Inglaterra, eram 4h da tarde no Brasil. A notícia chegou do lado de cá do Atlântico, deixando atônitos seus familiares, amigos e colegas de trabalho.Beth Lima , naquela altura, já se tornara uma referência, com seu estilo todo especial de apresentar suas matérias de moda, arte, comportamento, monarquia. Foi ela a primeira brasileira a mostrar a rica e diversificada moda de rua londrina. A cobrir os desfiles de Londres, Milão e Paris dos maiores da alta costura, como Yves Saint-Laurent, sua grande paixão-, Pierre Cardin, Givanchy, Chanel, Vivienne Westwood (punk), John Galliano, Jasper Conran e outros.

Quando sua carreira na televisão foi abruptamente interrompida, depois de mais de 30 anos de trabalho, Beth Lima já havia entrevistado praticamente todo mundo de expressão do mundo da moda, das artes plásticas e da música. Veja a conversa que ela manteve com Mário Testino, um dos fotógrafos mais respeitados do mundo, no alto da roda gigante, tendo como cenário Londres:

Como jornalista, Beth cultivava fontes preciosas, com a quais falava no momento que quisesse. O então embaixador em Londres, Paulo Tarso Flecha de Lima, e a embaixatriz Lúcia Flecha de Lima, que ganhou notoriedade pela proximidade com a princesa Diana, eram duas das muitas figuras importantes cujos telefones constavam de sua agenda secreta. Foi graças a esse relacionamento com o embaixador que ela acabou ajudando o jornal The Sun, tablóide de maior circulação na Grã-Bretanha, a dar um grande furo jornalístico, em agosto de 1996. Flecha de Lima contou que a princesa Diana e o príncipe Charles iam se divorciar. Primeiro, Beth deu a informação no Jornal Nacional e, em seguida, ligou para o jornal britânico. No dia seguinte, apenas o Sun tinha a notícia – impressa em letras garrafais na primeira página.

Com o embaixador do Brasil em Londres, Paulo Tarso Flecha de Lima

Com o embaixador do Brasil em Londres, Paulo Tarso Flecha de Lima

O trabalho glamoroso, a rica vida cultural, o convívio com os amigos, as viagens, a vida familiar… tudo ficou suspenso depois do acidente. Em conseqüência do impacto, Beth Lima quebrou a perna esquerda e feriu a cabeça. A polícia fechou imediatamente a área e, em poucos minutos, surgiu um helicoptero que a transportaria para um hospital especializado em neurologia. Lá, se submeteu a duas cirurgias na cabeça. Passou a se locomover em cadeira de rodas, ao mesmo tempo em que se submetia a longas sessões de fisioterapia, para voltar a andar.

Beth e a consultora de moda e empresária  Costanza Pascolatto

Beth e a consultora de moda e empresária Costanza Pascolatto

Um mês depois, já inicio de 2007, foi transferida para o renomado Wellington Hospital, um dos maiores hospitais particulares da Europa, no exclusivo bairro de St John’s Wood. Ali, cercada de árvores, recebendo esmerada assistência, com a solidariedade de Stephen, Sebastian e dos amigos, Beth Lima, ao longo de cinco meses, completou sua recuperação.

Com a embaixatriz Lúcia Flecha de Lima, amiga da princesa Diana

Em companhia da embaixatriz Lúcia Flecha de Lima

Hoje, faltando pouco para completar 10 anos do acontecimento que transformou sua vida para sempre, Beth Lima não só está completamente recuperada, mas anda cheia de energia: “O acidente mudou a minha vida para melhor. Troquei de casa – agora, moro na área central de Londres, perto da Catedral de Westminster -, e até de profissão: compro e vendo imóveis e antiguidades. Eu me sinto mais livre, faço meu próprio tempo, trabalho no meu ritmo. Tenho muito mais tempo para ler – o que mais gosto de fazer.” E da telinha, você não sente falta? “Acho que saí na hora certa, porque a TV mudou. Os jovens já não veem televisão. Eles estão ligados na internet, online. A onda agora é Netflix, Hulu.”, respondeu ela, antes de embarcar de volta para Londres – ponte aérea que vem fazendo, anualmente, há quase 40 anos. No ano que vem, tem mais.

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Essa Rita Lee sou eu, com meus cabelos brancos, minhas rugas…

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Vivo cercada de bichos por carência do divino

“Vivo cercada de bichos por carência do divino. E eles são o divino”

Já disse aqui no 50emais, tenho um certo fascínio por essa roqueira maravilhosamente maluca, tão inteligente, lúcida e debochada. Aos 68 anos, ela acaba de lançar sua autobiografia, recebida com muitos elogios. Esta conversa de Rita com o repórter Guilherme Samora, do G1, foi publicada no final do ano passado. Decidi postar porque vale a pena ler as tiradas espirituosas da roqueira, que realmente vem se reinventando, envelhecendo de maneira saudável e vivendo com alegria essa etapa da existência. “Estou gostando muito desta Rita de hoje. Ela é a mais familiar para mim. Sinto que sempre fui essa daqui e representei as outras,” diz ela.

Leia:

Os números são astronômicos: maior vendedora de discos do Brasil, mulher que tem a maior quantidade de hits nas paradas do país e campeã de músicas em aberturas de novelas. Os sucessos – dezenas – embalaram e continuam a embalar diferentes gerações. Os discos são vendidos no Brasil e fora dele. Mas, aos 68 anos, vivíssima e cheia de graça, Rita Lee considera:“O maior luxo da vida é dar amor aos bichos e ter uma horta”.

E continua: “Quanto mais simples, melhor. Fazer economia é chique e ecológico. Nessa visão, poder comer da própria horta é um luxo. Eu não quero ter uma Ferrari e ficar me exibindo em rua esburacada. Eu não tenho deslumbre. Não vou me entupir de coisas materiais sem sentido, mansões genéricas…Eu gosto de ficar bem na minha, com meus bichos, que são entidades com as quais divido minha vida. Eu fico comovida quando eu lido com eles, quando os trato, quando trocamos figurinha telepaticamente. É um luxo! Vivo cercada de bichos por carência do divino. E eles são o divino”.

A melhor terapia
Avessa a badalações e curtindo os bichos e a família, a vida da grande artista – cujo nome já está gravado entre os maiores da música mundial – se torna naturalmente alvo de curiosidade.

Aposentada dos palcos – mas não da música –, Rita compõe, grava quando quer no estúdio que tem em casa, e, nos últimos tempos, dedicou-se a escrever sua autobiografia, que está sendo lançada pela Globo Livros. “Ao escrever o livro, achei que falar dos traumas da vida seria muito mais pesado do que foi. Senti que foi bom: percebi que nada era tão ruim quanto eu achava. Esses assuntos ficavam como uma nuvem na minha cabeça, em cantos meio escuros, sem que eu pensasse muito neles. Colocar no papel foi a melhor terapia que fiz na vida. Me fez um bem danado. Escrevi e me libertei. Aliás, escrever a bio foi como se eu estivesse me olhando de fora. Sabe quando dizem que antes da morte passa aquele filminho da nossa vida toda? Foi assim que aconteceu, vi o filminho. Mas com a diferença de que estou viva”, descreve, nessa raríssima entrevista cara a cara.

Bem viva, cheia de saúde (“Às vezes a coluna grita, mas não posso reclamar”) e linda com seus cabelos grisalhos, ela está em paz. “Estou gostando muito desta Rita de hoje. Ela é a mais familiar para mim. Sinto que sempre fui essa daqui e representei as outras. Gostei de várias delas, não gostei de outras. E, se eu quiser, às vezes puxo arquivos das outras: posso voltar à criança, à grávida… Mas sinto que essa sou eu, com meu cabelo branco, minhas rugas, de bem com tudo o que vivi e continuo vivendo”.

Nasce uma grande escritora
Rita não precisa mais provar nada. Sua música permanece atual, relevante. Tanto que, nas ruas, seu público vai de crianças a senhoras e senhores. Com um grande apelo entre jovens e adolescentes.

Uns param a artista para dizer que se consideram as ovelhas negras da família, outros têm “Mania de Você” como trilha sonora de uma paixão, alguns se identificam com a rebeldia de “Orra Meu”, existem os que se sentem protegidos ao ouvir “Reza”. “Eu dou muito valor para isso. Aquela música, que era uma coisa minha, torna-se algo legal para outra pessoa, que me conta que fez bem para ela. Fico achando que é para isso que fiz música.”

Além das glórias nas paradas, nossa roqueira maior passeou com muito sucesso por novelas, filmes, apresentou programas de TV, fez rádio, teatro, musicais, pintou quadros… A biografia de Rita é pra lá de saborosa e ela nos revela mais uma faceta: a de grande escritora.

A infância, passando pelo início da carreira, a prisão em 1976, o encontro de almas com o marido, Roberto de Carvalho, com quem pariu clássicos e três filhos, Beto, João e Antonio – tudo é documentado de maneira honesta. E com detalhes históricos que emocionam. É daqueles livros que não se consegue parar de ler.

Nas páginas, Rita trata também da paixão por um tema que cercou sua vida desde pequena: os extraterrestres.

E se ela avistasse um disco voador e ainda pudesse pedir para viajar para qualquer tempo? “Se um disco voador aparecesse na minha frente eu entraria direto! Meu sonho! Depois, se eles me oferecessem essa gentileza de me levar para qualquer tempo ou lugar, pediria para dar uma volta no futuro. Queria espiar como serão meus bisnetos, os filhos de Izabella (filha de Beto). Ver também como ela estará, o que fez da vida dela. E depois daria um pulinho no passado, para visitar minha infância, meu pai e minha mãe. Se bem que com a bio foi isso que eu fiz: eu visitei o que já vivi. É impressionante como minha memória dessa época mais antiga é boa. Lembro de tudo, com os mínimos detalhes. Lembro com mais clareza dos meus 5 anos do que o que eu fiz ontem!”

E se nesse passeio encontrasse com a Rita dos 17 anos e pudesse dar um conselho a ela? Envelheça! Mas saiba que envelhecer é uma loucura! Envelhecer não é para maricas. Daria conselhos para ter mais cuidado com a postura, com a coluna! E também diria: experimente todas as coisas que quiser, mas se proteja um pouco mais. Não precisa entrar tão de sola em tudo. Dá uma maneirada em uma coisa ou outra.Ah, e faça música: vai dar tudo certo.”

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Clarice Lispector: “A Elis que conheci tem uma simpatia rara”

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A  entrevista foi em São Paulo, em

Elis Regina completaria neste 17 de março 72 anos

Maya Santana, 50emais

Quero homenagear Elis Regina, que teria feito 72 anos em 17 de março, e também Clarice Lispector, cuja morte está completando 40 anos. Para saudar duas das mulheres mais marcantes que o Brasil já produziou, escolhi esta entrevista, de 1969, que todo admirador/admiradora de Elis e de Clarice precisa ler. Clarice, entrevistadora franca, é quem conduz a conversa. A primeira coisa que dá para ver, pelas perguntas e pelas respostas, é que uma tinha profundo respeito pela outra. A escritora e jornalista morreria oito anos depois dessa entrevista, em 9 de dezembro de 1977, em consequência de um câncer, aos 57 anos. Já Elis, desapareceu repentinamente em janeiro de 1982, aos 36 anos, vítima de um coquetel letal: cocaína e álcool.

Leia a entrevista com a pequena introdução de Clarice:

Pequenina, de traços delicados, cabelo cortado rente à cabeça, movimentos livres, gesticulando um pouco, com uma inteligência alerta e rápida, facilidade de expressão verbal – eis Elis Regina, pelo menos uma delas.

Clarice Lispector – Por que você canta, Elis? Só porque tem voz magnífica? Conheço pessoas de ótima voz que não cantam nem no banheiro.
Elis Regina – Sei lá, Clarice, acho que comecei a cantar por uma absoluta e total necessidade de afirmação. Eu me achava um lixo completo, sabia que tinha uma voz boa, como sei, e então essa foi a maneira para a qual fugi do meu complexo de inferioridade. Foi o modo de me fazer notar.

Clarice Lispector – O que é que você sente antes de enfrentar o público: segurança ou inquietação?
Elis Regina – Inquietação. Sou segura em relação ao que eu vou fazer, mas profundamente inquieta quanto a reação das pessoas que me ouvirão.

Clarice Lispector – Se você não cantasse, seria uma pessoa triste?
Elis Regina – Seria uma pessoa profundamente frustrada e que estaria buscando uma outra forma de afirmação.

Clarice Lispector – Qual seria essa outra forma de afirmação?
Elis Regina – Não tenho realmente a menor ideia, porque eu me encontrei tanto nessa coisa de cantar que nunca pensei nisso.

Clarice Lispector – Você tem um tipo extrovertido. É o natural em você ou você se faz assim a si mesma para não se deprimir, ou seja, fala tudo para não ficar muda?
Elis Regina – Sou um ser do tipo sanguíneo que oscila muito. Tenho momentos de extrema alegria e momentos de profunda depressão. Não obedeço a uma agenda: hoje vou sentir isso, amanhã vou sentir aquilo. Reajo aos acontecimentos à medida em que o ambiente reage sobre mim. Mas como sou hipersensível, as coisas têm às vezes um valor que a maioria das pessoas acha ridículo. Mas eu sou assim mesmo. Por exemplo, às vezes fico furiosa com uma pessoa cujo problema talvez, você contornasse com um simples puxão de orelha. Ao mesmo tempo, tomei agora consciência de que essa não é uma atitude lógica e estou procurando me reestruturar.

Clarice Lispector
– Que é que você tem feito de positivo em matéria de auto-reestruturação?
Elis Regina – Estou fazendo um tratamento genial que é, dizem, moderníssimo – reflexologia.

Veja Elis em uma de suas mais inspiradas interpretações;

Clarice Lispector – Em que consiste?
Elis Regina – Parte das descobertas dos reflexos condicionados de Pavlov. No meu caso, está sendo atacada de início a minha taquipsiquia, isto é, minha tendência de pensar mais rápido do que eu mesma posso agir. Portanto, quando as coisas chegam a acontecer, já tomaram proporções monstruosas, não na realidade, mas dentro de minha cuca.

Clarice Lispector
– E como é que o médico intervém nesse sistema?
Elis Regina – Primeiro, mostrou que tenho essa tendência e provou que isso era verdade. E está agora me dando condições psíquicas para que eu saiba exatamente o momento em que a aranha da taquipsiquia começa a se movimentar, e como devo jogá-la para fora de casa.

Clarice Lispector
– Você foi considerada má colega. Pelo que tenho lido a seu respeito, me parecera pelo contrário: boa colega. O que é ser má colega?
Elis Regina – Bom, toda a minha vida disseram que fui má colega. Mas, enquanto eu dei quarenta no Ibope tive um programa de televisão na mão e as pessoas puderam se sobressair. Utilizaram-se de todas as vantagens que a artista Elis Regina poderia lhes dar no momento. Nenhum artista dos que hoje me acusam de má colega deixou de comparecer e usufruir de meu programa e meu sucesso. Então, eu não sei mais quem foi e quem é má colega. Má colega, na minha opinião, é aquela que esconde seus parceiros. Eu, muito pelo contrário, nunca agi assim e fui até criticadíssima porque no meu programa acontecia de tudo, sem que tenha havido uma estrutura prévia. Se eu fosse a déspota que dizem, no meu programa só daria eu. Mas acontece o oposto: quanto mais pessoas estiverem agregadas ao processo, melhor para mim. Seria mais cômodo ter minha gangue, e não trabalhar como trabalhei tanto tempo com gente diferente e de sucesso. Que os meus colegas digam que sou uma pessoa geniosa, dou a mão à palmatória. Mas mau caráter é quem cospe no prato em que comeu.

Clarice Lispector
– Se você não pisasse no palco, o que faria de sua vida?
Elis Regina – Não sei. Realmente não tenho a menor ideia.

Clarice Lispector – Pense agora então.
Elis Regina – É que o palco está tão ligado à minha maneira de ser, à minha evolução, aos meus traumas, que eu acho que me separar de um palco é a mesma coisa que castrar um garanhão: ele deixa de ter razão de existir.

Clarice Lispector – A vida tem sido boa para você?
Elis Regina – Muito boa. Acho até que eu tenho mais do que mereço ter. E não estou fazendo demagogia barata: acho mesmo isso.

Clarice Lispector
– Você já esteve apaixonada? Se esteve, suas interpretações mudaram nesse período?
Elis Regina – A pessoa apaixonada se comporta completamente diferente em relação a tudo, principalmente sendo sensível como eu sou.

Clarice Lispector
– É bom estar apaixonada?
Elis Regina – Bem melhor do que não sentir nada!

Clarice Lispector – Você mudou de estilo de cantar. Por exemplo, não usa tanto os braços. Por que a mudança? Para sair da rotina ou porque você ficou mais moderna?
Elis Regina – A gente vai vivendo – e eu sou uma pessoa que vive intensamente, tirando o máximo de tudo – a gente vai vivendo e modifica-se a cada dia. Juntando-se a isso a pouca idade e maturidade incompleta no meu início de carreira, é absolutamente normal, penso eu, que eu esteja me modificando sempre. Acho que nenhum ser tem o direito de se cristalizar nem os outros têm o direito de exigir isso dele.

Clarice Lispector
– Como é que você tem recebido os comentários negativos sobre Elis Regina?
Elis Regina – Procuro antes saber porque a pessoa falou isso. Depois, analiso se existe algum envolvimento pessoal na crítica. Faço a soma, tiro a prova dos nove, e passo a limpo, se for o caso.

Clarice Lispector
– Quando você está em casa, com o tempo disponível, e põe um disco na vitrola, quem canta nesse disco?
Elis Regina – Frank Sinatra – respondeu prontamente, sem hesitação.

Clarice Lispector
– Dizem alguns que o seu show é o Mièle. Que é que você acha?
Elis Regina – Este show é um conjunto de coisas. Talvez, mais que Mièle, o show seja Bôscoli. Isso no que diz respeito à parte dos bastidores. Agora, em palco, Mièle é o maior artista que já vi trabalhar em cena, além de que tudo o que ele faz é absolutamente natural: ele é assim. Sinto-me profundamente feliz de ter sabido escolher bem, mais uma vez, o meu parceiro de trabalho. Não se deve esquecer também, nas críticas, que eu sou a íntima conhecida de todo o mundo e que o Mièle é que é o novo no espetáculo. Sei que não sou nenhuma novidade. Mas estou feliz que a novidade seja exatamente Mièle, que é meu amigo, meu produtor, meu confidente e uma das poucas pessoas que me restituíram no pouco que lhes dei.

Leia a última entrevista de Elis Regina, feita pela TV Cultura em janeiro de 1981, 14 dias antes da morte dela:

Estava mais ou menos encerrada a entrevista, se bem que esta pudesse se completar muito mais. Foi o que aconteceu quando Elis me deu carona no seu carro e conversou comigo. Infelizmente não posso transmitir a conversa, que me mostrou uma Elis Regina responsável, misteriosa nos seus sentimentos, delicada quanto aos sentimentos dos outros. Uma Elis Regina, enfim, que tem mais problemas do que o de ser acusada de mau coleguismo. Mostrou-me uma Elis Regina que não quer ferir ninguém. Se há outras Elis, no momento, não me foi dado ver. A que eu conheci tem uma espontaneidade e uma simpatia raras.

Elis Regina – Tornou-se conhecida nacionalmente em 1965, ao sagrar-se vencedora do I Festival de Música Popular Brasileira da TV Excelsior, defendendo a música Arrastão, de Edu Lobo e Vinícius de Moraes. Ao lado de Jair Rodrigues apresentou um dos programas musicais mais importantes da televisão brasileira: O Fino da Bossa, estreado em 1965 na TV Record. Lançou inúmeros compositores como Milton Nascimento, Ivan Lins, Zé Rodrix, Belchior, Aldir Blanc e João Bosco.

– LISPECTOR, Clarice. Clarice Lispector entrevistas. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.

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Sexo depois dos 50 anos: problemas que eles e elas enfrentam

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Depois dos 50, o maior problema para ela é a perda da libido; para ele, falhas na ereção

Depois dos 50, o maior problema para ela é a perda da libido; para ele, falhas na ereção

Maya Santana, 50emais

Sexo depois dos 50 anos é um assunto cada dia mais atual, já que a população está envelhecendo rapidamente. E, a partir dessa idade, é natural que comecem aparecer os problemas: para as mulheres, um dos principais é a perda da libido e o consequente desinteresse por sexo; para eles, a questão mais aguda é a qualidade da ereção, que começa a declinar a partir dos 45 anos. O 50emais acaba de receber uma mensagem que me impressionou pelo tom triste do homem que a escreveu. Ele reclama de que a mulher, chegando aos 60 anos, há muito não se interessa por sexo. E ele sente muita falta de um relacionamento mais íntimo com ela. Tendo em vista a importância do assunto, resolvi postar aqui trechos da entrevista de Mariza Tavares, de O Globo, com Carmita Abdo, uma das maiores autoridades do Brasil em questões sexuais, autora de oito livros, Doutora e livre-docente pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, fundou e coordena o Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP.

Leia o que Dra. Carmita diz:

PERDA DA LIBIDO:
“A menopausa exerce um impacto muito grande sobre a mulher. Não fomos feitas para viver sem hormônios. Na ausência do estrógeno, a lubrificação da vagina fica prejudicada e a mulher pode, consequentemente, sentir dor na relação sexual. Há outros prejuízos: para os ossos, os músculos, a cognição. A reposição hormonal é medida de saúde precedida de orientação médica, mas não pode ser descartada. Também é preciso estar atenta à depressão, que aumenta sua incidência depois da menopausa. Neste caso, a mulher não se interessa por sexo, como também não quer se cuidar e se isola. Na verdade, é uma falta de interesse geral pela vida! No consultório, é frequente atender pacientes que não querem tomar antidepressivos, alegando que o remédio vai interferir negativamente na libido. Isso realmente pode acontecer, mas apenas durante o tratamento, enquanto que, se a depressão não for tratada, a falta de desejo sexual será mantida como consequência da depressão.”

POR QUE A MULHER PARECE SE INTERESSAR MENOS POR SEXO:
“A maioria das mulheres se empenha mais durante a sedução, no desafio da conquista. Algumas ficam, então, satisfeitas e abrem mão do prazer do ato sexual. Talvez por dificuldades pessoais, talvez devido a parceiros apressados ou inábeis. Ou até por desconhecimento delas, ou seja, porque não sabem como fazer o próprio corpo reagir ou não conseguem relaxar. Na atualidade, vivemos relações-relâmpago, com ainda menos chance de a mulher ter seu corpo pronto para a penetração, pois as preliminares nem sempre são suficientes ou satisfatórias. O sexo contextualiza a sociedade contemporânea, onde tudo acontece de forma rápida e descompromissada. Por outro lado, os homens adorariam ser informados sobre o que agrada às mulheres na cama. É o que ouço deles o tempo todo. No entanto, ainda parece estranho ou desconfortável para as mulheres falarem sobre o seu prazer sexual ou guiarem seus parceiros para o que dá prazer a elas. Algumas se referem a ser constrangedor falar, porque pode parecer que o parceiro não é eficiente e não ‘se garante’, a menos que seja conduzido. Puro machismo feminino. Ela prefere realizar um ato sem qualquer ganho pessoal, a correr o risco de ele se sentir pouco habilidoso. Vale a pena falar e dar a ele a oportunidade de fazer melhor.”

NOS HOMENS, PROBLEMAS DE EREÇÃO:
“Apesar do tamanho do pênis ser um grande fantasma na vida sexual dos homens, a qualidade da ereção (a qual começa a entrar em declínio a partir dos 45 anos) é ainda maior. Os medicamentos que promovem a ereção são eficazes, mas se o homem viveu boa parte de sua vida com o problema, certamente complicou o quadro com o prejuízo de sua autoestima. Nesse caso, a eficácia da medicação poderá estar comprometida e ele necessitará também de uma terapia sexual. O medicamento age na fase de excitação, o que significa que o desejo deve estar preservado para o efeito ocorrer. De modo geral, os homens não fazem prevenção e encaram o agendamento de uma consulta médica como sinal de fragilidade. No entanto, as doenças, quando prevenidas, ajudam a preservar a ereção na idade avançada. Se, por exemplo, todos os homens fizessem exame da próstata a partir dos 40 anos, teríamos uma diminuição drástica dos índices de câncer avançado e de cirurgias radicais, uma das causas de perda da ereção.”

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‘Eu cuido dos bichos e da faxina. Roberto, das plantas e cozinha’

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Rita com Pedro Bial

Rita Lee, entrevistada no Conversa com Pedro Bial

Maya Santana, 50emais

Vi esta entrevista feita por Pedro Bial com Rita Lee, em seu novo programa, Conversa com Bial, que estreou na terça, 2 de maio, logo depois do Jornal da Globo, com um ótimo bate papo com a ministra Carmem Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal. Na quarta, foi a vez de Pedro dar espaço para Rita, mais adorável do que nunca, contar um pouco do seu trabalho, falar da biografia que lançou no final do ano passado e já vendeu mais de 200 mil exemplares, da corrupção no Brasil e da vida que está levando, ao lado do marido, Roberto Carvalho, seus gatos e cachorros, num sítio, nos arredores de São Paulo. Grisalha, beirando os 70 anos, que completará em dezembro, Rita continua sendo uma das coisas boas deste país. Aproveito para parabenizar o diretor de conteúdo de Conversa com Bial, jornalista e escritor Ingo Ostrowski.

Assista à entrevista:

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Para melhorar o cérebro, você tem que cuidar do espírito

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Dr. Paulo Niemeyer Filho, 63,  é referência no Brasil quando se trata de neurocirurgia

Dr. Paulo Niemeyer Filho, 63, é referência no Brasil quando se trata de neurocirurgia

Já publiquei aqui no 50emais esta entrevista – na verdade, um trecho de uma longa conversa com a revista Poder – do Dr. Paulo Niemeyer Filho, neurocirurgião carioca que é referência no Brasil em seu campo de trabalho – um dos médicos mais respeitados do país. Estou postando novamente para quem ainda não leu e para os que já leram, relerem, porque é o tipo de entrevista que, de vez em quando, é bom voltar a ela. Quando perguntado se existe algum inimigo do bom funcionamento do cérebro, Dr. Paulo responde: “Exagero. Na bebida, nas drogas, na comida. O cérebro tem de ser bem tratado como o corpo. Uma coisa depende da outra.” E Deus, existe? Questiona o entrevistador: “Depois de dez horas de cirurgia, aquele estresse, quando acabamos de operar, vai até a família e diz: “Ele está salvo”. Aí, a família olha pra você e diz: ‘Graças a Deus!’. Então, a gente acredita que não fomos apenas nós.”

Leia:

Dr. Paulo Niemeyer Filho, é filho do lendário Neurocirurgião Paulo Niemeyer, microneurocirurgia da Pioneiro no Brasil, e sobrinho do arquiteto Oscar Niemeyer. Dr. Paulo escolheu a medicina ainda adolescente. Aos 17 anos, entrou na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Quinze dias depois de formado, com 23 anos, mudou-se para a Inglaterra, onde foi estudar neurologia na Universidade de Londres. De volta ao Brasil, fez doutorado na Escola Paulista de Medicina.

Ao todo, sua formação levou 20 anos de Empenho absoluto. Mas foi uma recompensa à altura. Apaixonado por seu ofício, Dr. Paulo Chefia hoje os Serviços de Neurocirurgia da Santa Casa do Rio de Janeiro e da Clínica São Vicente, onde opera e atende de segunda a sábado, quando não há uma emergência no domingo, e ainda encontra tempo para dar aulas no Curso de Pós Graduação em Neurocirurgia da PUC-Rio.

Por suas mãos passaram já o músico Herbert Vianna – de quem cuidou em 2001, depois do acidente de ultraleve em Mangaratiba, litoral do Rio -, o ator e diretor Paulo José, a atriz Malu Mader, o diretor de televisão Estevão Ciavatta – marido da atriz Regina Casé, além de outros Centenas de pacientes, muitos deles representados pelas belas flores que enchem de vida o seu jardim.

Revista Poder – O que fazer para melhorar o cérebro?

Dr.Paulo Niemeyer: Você tem de tratar do Espírito. Precisa estar feliz, de bem com a vida, fazer exercício. Se está deprimido, com a auto-estima baixa, a primeira coisa que acontece é a memória ir embora; 90% das queixas de falta de memória são por depressão, desencanto, desestímulo. Para o cérebro funcionar melhor, você tem de ter motivação. Acordar de manhã e ter desejo de fazer alguma coisa, ter prazer no que está fazendo e ter a auto-estima no ponto.

PODER: Cabeça tem a ver com alma?

PN: Eu acho que a alma está na cabeça. Quando um doente está com morte cerebral, você tem a impressão de que ele já está sem alma… Isso não dá para explicar, o coração está batendo, mas ele não está mais vivo.

PODER: O que se pode fazer para se prevenir de doenças neurológicas?

PN: Todo adulto deve incluir no check-up uma investigação cerebral. Vou dar um exemplo: os aneurismas cerebrais têm uma mortalidade de 50% quando rompem, não importa o tratamento. Dos 50% que não morrem, 30% vão ter uma seqüela grave: ficar sem falar ou ter uma paralisia. Só 20% ficam bem. Agora, se você encontra o aneurisma num checkup, antes dele sangrar, tem o risco do tratamento, que é de 2%, 3%. É uma doença muito grave, que pode ser prevenida com um check-up.

PODER: Você acha que a vida moderna atrapalha?

PN: Não, eu acho a vida moderna uma maravilha. A vida na Idade Média era um horror. As pessoas morriam de doenças que hoje são banais de ser tratadas. O sofrimento era muito maior. As pessoas morriam em casa com dor. Hoje existem remédios fortíssimos, ninguém mais tem dor.

PODER: Existe algum inimigo do bom funcionamento do cérebro?

PN: O exagero. Na bebida, nas drogas, na comida. O cérebro tem de ser bem tratado como o corpo. Uma coisa depende da outra. É muito difícil um cérebro ir muito bem num corpo muito maltratado, e vice-versa.

PODER: Qual a evolução que você imagina para a neurocirurgia?

PN: Até agora a gente trata das deformidades que a doença causa, mas acho que vamos entrar numa fase de reparação do funcionamento cerebral, cirurgia genética, que serão cirurgias com introdução de cateter, colocação de partículas de nanotecnologia, em que você vai entrar na célula, com partículas que carregam dentro delas um remédio que vai matar aquela célula doente. Daqui a 50 anos ninguém mais vai precisar abrir a cabeça.

PODER: Você acha que nós somos a última geração que vai envelhecer?

PN: Acho que vamos morrer igual, mas vamos envelhecer menos. As pessoas irão bem até morrer. É isso que a gente espera. Ninguém quer a decadência da velhice. Se você puder ir bem de saúde, de aspecto, até o dia da morte, será uma maravilha.

PODER: Hoje a gente lida com o tempo de uma forma completamente diferente. Você acha que isso muda o funcionamento cerebral das pessoas?

PN: O cérebro vai se adaptando aos estímulos que recebe, e às necessidades. Você vê pais reclamando que os filhos não saem da internet, mas eles têm de fazer isso porque o cérebro hoje vai funcionar nessa rapidez. Ele tem de entrar nesse clique, porque senão vai ficar para trás. Isso faz parte do mundo em que a gente vive e o cérebro vai correndo atrás, se adaptando.

PODER: Você acredita em Deus?

PN: Geralmente depois de dez horas de cirurgia, aquele estresse, aquela adrenalina toda, quando acabamos de operar, vai até a família e diz: “Ele está salvo”. Aí, a família olha pra você e diz: “Graças a Deus!”.

Então, a gente acredita que não fomos apenas nós.

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Um dos maiores geriatras do Brasil ensina a encarar a velhice

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Dr. Emílio Maguchi, 59, mistura o calor humano brasileiro com a disciplina japonesa

Dr.Emílio Maguchi, 59, mistura o calor humano brasileiro com a disciplina japonesa

Maya Santana, 50emais

Uma excelente entrevista de Mariana Kalil, publicada na revista Donna, com Dr. Emilio Moriguchi, 59, considerado uma das maiores autoridades do Brasil em geriatria. Formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com pós-graduação nos Estados Unidos, e estudos na Suíça e no Japão, ele dá, nesta extensa entrevista, uma verdadeira aula de como envelhecer com qualidade de vida. O caminho do envelhecer bem, segundo o geriatra, passa pela “alimentação, estilo de vida, repouso, lazer, mas, acima de tudo, ter uma cabeça sã e um bom estado de espírito – requisitos fundamentais.”

Leia a entrevista:

Donna – O senhor é professor visitante da cidade de Oklahoma, no Japão. Durante dois meses por ano, em fevereiro e outubro, viaja para o outro lado do mundo para dar aulas a estudantes de medicina e enfermagem. É convidado porque há alguns conhecimentos e conceitos esquecidos pelos profissionais japoneses. Quais são eles?

Emilio Moriguchi – O relacionamento humano e a importância do coração. Não o órgão, mas o sentimento. São disciplinas que enfocam a importância de se relacionar com os pacientes.

Donna – O senhor está dizendo que, em um país altamente tecnológico como o Japão, foi esquecida a importância do afeto na relação médico-paciente?

Moriguchi – Exatamente. Os alunos e os médicos desconhecem ou esqueceram. O Japão tem os melhores hospitais do mundo. Trata-se de um país altamente desenvolvido em tudo. Na questão da saúde, ninguém espera para ser atendido – e este atendimento é bastante socializado e justo. O funcionário que acabou de entrar na empresa, por exemplo, recebe o mesmo atendimento e no mesmo balcão que o presidente desta mesma empresa. Quanto a isso, está tudo certo. Porém, falta calor humano.

Donna – O senhor pode ser mais específico?
Moriguchi – O paciente chega ao hospital e é direcionado para o setor de enfermagem, que mede os sinais vitais. Simultaneamente, o computador vai gerando o checklist e os tipos de exames que precisam ser realizados. Então, o paciente sai dali e vai direto para o laboratório com a requisição em mãos para coletar o sangue. Em seguida, leva o resultado para o médico, que avalia e, se necessário, já o encaminha para outros exames que o paciente realiza imediatamente. É tudo muito rápido e extremamente eficiente.

Donna – E sem nenhum tipo de diálogo, pelo visto…
Moriguchi – (risos) O paciente sai da consulta extremamente satisfeito com a eficiência do serviço, mas sem sequer ter trocado uma palavra com o médico. Durante todo esse período, não se abriu espaço para um breve diálogo que seja. O paciente não foi ouvido, não teve a oportunidade de falar dos seus medos, das suas angústias, de nada.

Donna – O senhor considera essa relação médico-paciente tão importante quanto um serviço altamente eficiente?
Moriguchi – Em muitos casos, o problema do paciente é fundamentalmente emocional. Não há nada de errado com a saúde dele, ou até existem alguma alterações, mas são consequência de questões psicológicas que ele vem enfrentando. Se não consegue dialogar, não consegue resolver. É justamente por isso que os japoneses me pediram para começar a ministrar essas disciplinas de relação humana.

Donna – Tem uma clínica no centro de Tóquio que leva o seu nome, um reconhecimento público de que os seus ensinamentos nesses dois meses em que leciona no país são fundamentais para a evolução da medicina japonesa como um todo. Como funciona na prática o seu trabalho na clínica?
Moriguchi – Basicamente da mesma maneira que funciona aqui. Enfocamos muito a relação médico-paciente, a importância da empatia, de se colocar no lugar do outro para tentar compreender do que ele precisa, o que sente. A primeira pergunta que sempre faço aos meus pacientes, seja no Japão ou no Brasil, é: “Em que posso lhe ajudar?”. Na hora em que ele começa a falar, você tem que estar apto e disposto a ouvir. Muitas vezes acontece de um paciente chegar com indicação de tratamento para colesterol alto ou pressão alta e logo percebo que é tudo decorrência de algum problema familiar ou profissional. Ao entender o funcionamento daquela pessoa como um todo, consigo tratá-la melhor na sua necessidade. A clínica Emilio Moriguchi é conhecida no Japão como o lugar que trata o coração. Não o órgão, mas a alma.

Donna – O senhor anda sempre com dois celulares?
Moriguchi – Sempre (risos). É para evitar as áreas de sombra. Dou os números dos meus celulares para os pacientes particulares e do SUS. Me coloco sempre à disposição, afinal de contas, estou aqui para ajudar. Tem algumas pessoas que abusam (risos), mas a maioria se dá conta de que não é para abusar, e eu sempre estou às ordens. Esse interessar-se, o querer o bem, o serviço ao próximo é um espírito que se perdeu muito no Brasil, no Japão, em qualquer lugar.

Donna – O senhor aprendeu a colocar em prática esses valores aqui no Brasil?
Moriguchi – Eu nasci no Japão, vim para cá com 10 anos e me criei aqui. Este lado mais afetivo e mais humano certamente é decorrência do meu aprendizado inserido na cultura brasileira. Por outro lado, tive uma educação extremamente rígida do meu pai, que está se aposentando agora com 90 anos (Emilio é filho do professor Yukio Moriguchi, o pai da geriatria no Rio Grande do Sul). Ele é um japonês muito exigente que nunca permitiu ter o filho fora da linha, sobretudo o mais velho, que sou eu. Somos quatro irmãos, e eu era sempre o primeiro a ser cobrado e a apanhar, se fosse o caso (risos). Eu tinha que dar o exemplo. A disciplina e a ordem japonesas associadas ao calor humano brasileiro forjaram a pessoa e o profissional que eu me tornei.

Donna – Disciplina e ordem o senhor tinha em casa. Mas e o calor humano? Onde aprendeu?
Moriguchi – No ano de 1968, quando chegamos aqui em Porto Alegre, não sabia falar português. Meus pais me matricularam em um grupo escolar na frente do antigo prédio da Brahma, ali na Cristóvão Colombo. Ninguém conseguia falar comigo. Eu era um ser humano incomunicável. Havia um rapaz chamado Hugo que era a única pessoa que, sem abrir a boca, me levava para almoçar, mostrava onde era o banheiro, essas coisas básicas de sobrevivência. Ele me ajudou muito em tudo. Aquele calor humano me marcou demais – até porque era desconhecido para mim. Aos 10 anos de idade, aprendi com o Hugo como devemos tratar o próximo.

Donna – O senhor formou-se em medicina na UFRGS e voltou ao Japão para fazer doutorado. Quando chegou lá, já se sentia diferente dos médicos japoneses?
Moriguchi – Muito, e essa diferença era visível. Todos vinham comentar como eu tinha me tornado um profissional distinto, sobretudo porque falava com os pacientes. Coisas triviais, do tipo “como anda a vida?” ou “como está em casa e no trabalho?”. Eles diziam que isso não era papel do médico.

Donna – O senhor realiza um trabalho voluntário para atender a população agrícola japonesa do sul do Brasil. Percorre uma área de quase 4 mil quilômetros de estrada de terra para estar presente em colônias japonesas espalhadas por Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Gostaria que contasse como isso tudo começou.
Moriguchi – Quem iniciou este trabalho foi meu avô, em 1930. Ele foi o primeiro médico enviado pelo governo japonês para atender os imigrantes japoneses que não falavam português. Naquela época, ficou baseado em São Paulo e passava o ano inteiro a bordo de um jipe percorrendo da Amazônia ao Chuí. Quando completou 60 e poucos anos, foi diagnosticado com diabetes e soube que não viveria por muito mais tempo. Então, chamou meu pai para dar continuidade ao trabalho. Foi por isso que viemos para o Brasil. À medida que os anos foram passando, os japoneses do Norte foram desaparecendo, alguns migraram para São Paulo e Paraná, e as colônias do Rio Grande do Sul e Santa Catarina ficaram sem assistência médica. Há 10 anos, quando meu pai completou 80, designou a mim esse atendimento. Trata-se de um trabalho voluntário que realizamos na época de inverno e tenho a companhia de alunos de Medicina e Enfermagem do Japão. Desde 2009, eles vêm para cá me acompanhar nessa jornada. Foi quando perceberam o atendimento médico mais humano e sugeriram que eu levasse como disciplina para o Japão.

Donna – A esperança de vida tem aumentado no mundo inteiro e o Brasil compartilha dessa mudança demográfica. Já se calcula dois bilhões de idosos em 2050. O senhor afirma que o envelhecimento com qualidade de vida é uma conquista que depende do esforço individual e coletivo na busca de hábitos saudáveis. Que hábitos são esses?
Moriguchi – É um conjunto que inclui alimentação, qualidade de vida, repouso, lazer, mas, acima de tudo, ter uma cabeça sã e um bom estado de espírito – requisitos fundamentais e tão esquecidos hoje em dia. Fundamos recentemente no Hospital de Clínicas um grupo de espiritualidade em Medicina, que consiste justamente em trabalhar todos esses quesitos para ajudar os pacientes a envelhecer bem e com saúde.

Donna – Veranópolis é a cidade mais longeva do Brasil, onde a expectativa média de vida é de 72 anos. Nesta comunidade, onde há muitos idosos, as pessoas envelhecem bem: com saúde, participando da comunidade. Toda a comunidade, inclusive os jovens, respeitam muito os idosos. Com base em seus estudos realizados em Veranópolis desde 1994, o que o senhor conclui de mais relevante no processo do envelhecimento saudável?
Moriguchi – O que aprendemos ao longo de todos esses anos com os idosos de Veranópolis é que são trabalhadores, alimentam-se sobriamente com os alimentos que eles próprios produzem, fazem bastante atividade física. Há uma unidade familiar, que é a parte de integração social, que fazem com que sejam ouvidos e respeitados por todos. Além disso, desfrutam de momentos de repouso e lazer, quando gostam de se reunir com amigos e com a família, e desenvolvem a espiritualidade, que é ter fé e saber que, mesmo dentro do sofrimento, tudo tem algum sentido.

Donna – O senhor concorda que o estresse é um dos maiores ladrões de vida que nós temos? Por quê? Como amenizá-lo?
Moriguchi – Meu pai sempre me disse que há duas coisas que não caem do céu: dinheiro e saúde. Realmente, são duas coisas que precisam ser batalhadas. No dia a dia estressante que levamos atualmente, é preciso lutar para ter uma alimentação saudável, momentos de lazer, tempo para a família. Claro que o trabalho é importante. Mas não pode ser tudo. Hoje à noite, por exemplo, combinei de jantar fora com minha esposa. Fechei minha agenda a partir das 18h justamente para isso. Precisa de planejamento? Claro que sim. Eu poderia ficar trabalhando, como sempre fico. Mas encontrar tempo para cuidar das pessoas que são importantes para nós contribui para nossa saúde e paz de espírito. No dia a dia estressante que levamos atualmente, é preciso lutar para ter uma alimentação saudável, momentos de lazer, tempo para a família

Donna – O senhor é religioso?
Moriguchi – Meu pai é bastante católico. Sempre rezou muito. Passamos por momentos de muita dificuldade e certamente o que o manteve em pé foi a fé. Quando viemos para o Brasil, ele ficou os primeiros três anos sem trabalhar, pois precisava revalidar o diploma. Vivíamos com suas economias. Minha mãe me acordava às 4h para ajudá-la a fazer pão, já que não tínhamos dinheiro nem para isso – e eu era o irmão mais velho. Tudo para que, quando meu pai e meus irmãos acordassem, o alimento estivesse na mesa. Ele sofria muito por não conseguir dar tudo o que desejava para a gente, mas estava sempre com o terço na mão, rezando. Herdei essa fé e essa espiritualidade dele. Afinal, ele sempre foi o meu exemplo.

Donna – Como exerce a sua fé?
Moriguchi – Sempre que posso, vou à missa aos domingos. Quando estou envolvido com as consultas pelo Interior, não tenho tempo. Nesse caso, dou prioridade para o atendimento médico – e acredito que Deus fica muito mais contente por eu priorizar as pessoas. Mais importante de tudo é viver a caridade e exercer o amor ao próximo.

Leia também:
Dr. Paulo Niemeyer Filho: “Para melhorar o cérebro, você tem que cuidar do espírito”

Donna – O isolamento mata?
Moriguchi – Pode não matar do ponto de vista cronológico. Pode não matar o físico, mas mata a alma. Um idoso em uma instituição, por exemplo, pode viver mais do que se estivesse na rua. Mas morre em seu espírito. No momento em que um idoso fica isolado, perde sua alma. Como professor de Geriatria, ministro uma disciplina que se chama Promoção e Proteção da Saúde do Adulto e do Idoso. Tem como objetivo ensinar o relacionamento com os idosos. Nosso trabalho, às segundas e quartas-feiras, é acompanhar os alunos a asilos para que eles conversem com esses idosos a fim de saber por que estão lá e se precisam de alguma assistência. É impressionante o feedback. O que a maioria quer é apenas alguém com quem conversar. Salvar as pessoas do isolamento também nos ajuda a viver mais. Clique aqui para ler mais.

“Preparar-se para envelhecer não é fazer mais ginástica”

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Louise Plouffe é uma das idealizadoras do programa Cidades Amigas do Idoso, da Organização Mundial da Saúde

Nicholas Shores e Teo Cury, Estadão

Ninguém pode dizer que Louise Plouffe não coloca as próprias ideias em prática. Depois de dirigir a área de pesquisas do Centro Internacional de Longevidade (ILC) no Canadá e prestar consultoria à Organização Mundial da Saúde (OMS), a canadense está aposentada, mas não parada. Além de continuar no ILC como pesquisadora associada, Louise também preside o Comitê Ottawa Cidade Amiga do Idoso. Ela vive, portanto, de acordo com as próprias diretrizes, de que o envelhecimento saudável passa por atos como cultivar a mente, lidar com as mudanças na sociedade e abraçar desafios intelectuais. “Preparar-se para envelhecer não é fazer lifting no rosto ou praticar mais ginástica na academia”. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

O que a senhora pode nos contar sobre o desenvolvimento de uma comunidade ou uma cidade amiga do idoso?

No Canadá, há pelo menos mil cidades em todas as dez províncias participando das iniciativas para se tornarem mais amigas do idoso. Na cidade de Ottawa, estou trabalhando como voluntária na iniciativa Age-Friendly Ottawa (Ottawa Amiga do Idoso). A cada ano, a prefeitura disponibiliza 500 mil dólares canadenses para ações específicas, escolhidas por um comitê de avaliação independente. Por exemplo, o município está reformando calçadas, melhorando a acessibilidade dos prédios municipais, criando parques ‘amigos do idoso’, melhorando o transporte público para pessoas com incapacidades e oferecendo exercícios nos centros comunitários de saúde para a prevenção de quedas. Já o Conselho de Envelhecimento de Ottawa depende de bolsas públicas e privadas para seus programas educativos, destinados ou aos profissionais ou ao público da terceira idade. Também promove iniciativas de participação cidadã e de advocacy, como a auditoria ‘amiga do idoso’ sobre a acessibilidade para pedestres.

O projeto teve início em 2011, a partir da parceria entre a prefeitura municipal e o Conselho do Envelhecimento de Ottawa (organização de base voluntária). Naquele primeiro ano, fizemos juntos uma consulta à população idosa – incluindo grupos imigrantes, francófonos e anglófonos, grupos de baixa renda, moradores de bairros rurais e LGBT – para identificar os principais problemas enfrentados por eles. Depois disso, preparamos planos de ação bienais para o período de 2012 a 2014, renovados para 2015-2017, de modo a lidar com todas as oito áreas do modelo de Cidade Amiga do Idoso da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Dado o fato de que só agora o Brasil mostra sinais de recuperação de uma recessão econômica e, portanto, tem pouco espaço para ampliar os gastos públicos, que ações devem ser priorizadas sob a perspectiva da longevidade?

Em primeiro lugar, é importante manter os serviços básicos, como os centros de saúde primária, que atendem bem a população idosa, e também programas públicos de vacinação e de medicamentos para doenças crônicas. Retirar esses serviços poderia ter impactos fiscais negativos no longo prazo, além de aumentar o sofrimento de muitas pessoas. Segundo, o Brasil tem de desenvolver um sistema de cuidados de longa permanência, incluindo cuidados domésticos e de centros-dia. Esse sistema é necessário para prevenir problemas de saúde agudos que elevam os custos para o sistema público. O resultado virá no futuro. Idosos frágeis irão se tornar mais independentes, os cuidadores, principalmente as mulheres, poderão trabalhar fora de casa e mais empregos e inovações tecnológicas serão criados. Vale a pena apoiar e promover iniciativas comunitárias de apoio aos idosos.

O Canadá é exemplo mundial em qualidade do sistema de saúde pública. Quão amigo do idoso é? Como lida com a questão da longevidade da população?

O sistema de saúde canadense é bom especialmente em termos de serviços médicos e de cuidados nos hospitais. Mas não temos o paraíso de cuidados de saúde. Outros países oferecem melhores programas públicos de medicamentos. A Nova Zelândia, por exemplo. Temos problemas na área dos cuidados domésticos, que são hoje insuficientes. Temos alguns exemplos de boas práticas, baseados em evidência científica, mas que ainda são projetos piloto. Precisamos de um plano nacional de saúde do idoso. Há algumas boas iniciativas recentes, como o movimento crescente para tornar os hospitais mais amigos do idoso e o investimento do governo nacional em cuidados domésticos. Clique aqui para ler mais.


A doença que deixou Nelson Motta 3 meses paralisado, sem andar

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Aos 73 anos, o produtor musical ficou paralisado da cintura para baixo

Maya Santana, 50emais
Com o passar da idade, vão chegando as surpresas desagradáveis. E este caso de Nelson Motta ilustra isso muito bem. No ano passado, aos 72 anos, ele, que é um dos produtores musicais mais conhecidos do Brasil, acabou passando por um episódio traumático. Inesperadamente, não conseguia mais andar. “Minhas pernas viraram geléia”, lembra o ex-companheiro de Costanza Pascolato, que mora sozinho em Ipanema. Ficou assim durante três meses, vítima de uma doença que o paralisou da cintura para baixo. Nesta gostosa entrevista a Maria Fortuna, de O Globo, Nelson Motta fala não só da infermidade, mas um pouco de política, música e amor na maturidade.

Leia:

Uma fístula paralisou Nelson Motta da cintura para baixo, por três meses, no ano passado. Os médicos avisaram à família do produtor musical de 73 anos que ele tinha 50% de chances de voltar a andar. “Minhas pernas viraram geleia”, diz. Nelsinho só soube da gravidade do que vivia depois de duas cirurgias bem-sucedidas e isso talvez tenha sido fundamental para manter a cabeça criativa funcionando enquanto encarava as várias sessões de fisioterapia e os passos lentos em um andador.

“Gravei o Jornal da Globo aqui em casa, me botavam numa cadeira e eu falava, tipo Tancredo”, brinca. A clausura serviu para produzir coisas boas como o “Em casa com Nelson Motta”, um híbrido de jornalismo e entretenimento que vai ao ar na GloboNews, após as eleições, e tem a sala de estar de seu apartamento em Ipanema como cenário.

O período fértil, em que teve, ao pé da cama, a companhia do gato Max, deságua ainda na série de TV “101 canções que tocaram o Brasil” (que será exibida pelo Canal Curta!); no musical “O frenético dancin’ days”, sobre a lendária boate que foi uma ilha de liberdade em plena ditadura (estreia dia 24), e em músicas novas com Lulu Santos, DJ Memê e Guilherme Arantes. Isso sem falar no roteiro das cinebiografias de Roberto Carlos e Rita Lee.

De frente para o mar de Ipanema, o produtor, jornalista e escritor conversou com a coluna sobre política, música, a amizade recente com Anitta, a homossexualidade do parceiro de “Como uma onda” e a baiana de 48 anos, que, há sete meses, conquistou o inveterado namorador. “Vivemos de pequenas luas de mel”.

Caetano Veloso diz que você é o único crítico que não perdeu amigos, por quê?
“Como eu era jornalista e amigo de Chico Buarque, Edu Lobo, Vinicius e Tom, tomei a decisão de nunca perder amigo por causa de nota. Ganhei a confiança deles. A gente bebia, fazia loucuras e nunca cometi uma indiscrição. Então, me davam as notícias em primeira mão.”

Mas escrever roteiro para Roberto Carlos, que proibiu biografia, deve ser delicado…
É a história da vida dele contada por ele mesmo. Só disse o que quis. Mas entendeu que o personagem, para ser crível e humanizado, tem que sofrer, levar pé na bunda, trepar, beijar…

Quem chama sua atenção hoje na música brasileira?
Iza, Tim Bernardes e o Terno, Karol Conka e Silva.

Você também adora Anitta?
Existe preconceito. Anitta é ótima, seria uma maravilhosa cantora da bossa nova se tivesse nascido nos anos 60. Quando a vi entrando no Rock in Rio de Carmen Miranda Dolce & Gabbana, quase chorei. Gosto de conversar com ela pelo Whatsapp, é inteligente, engraçada, se sacaneia.

Ela lança muitas músicas. Hoje, poucos lançam disco…
Adoro isso. Quanta merda a gente teve que engolir de grandes artistas por causa do sistema comercial de obra? O LP deu origem a desperdícios e picaretagens. A era digital liberou: se tem uma música boa ou duas, lança!

Nego do Borel foi criticado pelo clipe em que beija um homem. O conceito de lugar de fala deve estar na música?
Acho o clipe superengraçado. Não se pode defender e apoiar uma pessoa diferente de você? O que interessa é que a coisa seja ouvida.

O que achou da saída do armário de Lulu Santos?
Finalmente! Fiquei feliz. Coincidentemente ou não, o Lulu está em uma das melhores fases da vida. Feliz, bonito, cantando bem, popularíssimo e uma flor de pessoa.

Chico Buarque foi acusado de machismo na música “Tua cantiga”. O que pensa disso?
A canção é ok, não me entusiasmou. Agora, pelo amor de Deus, o que o Chico Buarque já fez pelas mulheres, o que elas já falaram pela boca dele… Se a boca do Chico Buarque não é o o lugar de fala das mulheres, fala sério!

Fala isso como pai de três mulheres (Joana, 48 anos, Esperança, 43, e Nina, 38)?
Virei feminista quando elas nasceram. Não entendo como se pode ser machista tendo filha. Como o cara que tem filha sacaneia as dos outros? Meu único pacto com elas foi o de não mentir. O resto pode. Já deixei de fazer muita merda por elas….

Ainda usa drogas? É a favor da legalização?
Sempre fui a favor da liberação da maconha, fumo moderadamente e sou altamente produtivo e responsável há 50 anos. Tenho uma memória espetacular. Nos estados americanos em que a maconha foi liberada não mudou nada na vida das cidades. Só acabou o tráfico de maconha, que hoje se tornou uma indústria bilionária e paga altos impostos.

Viveu a ditadura, como vê a ascensão da direita?
A disputa não é mais entre esquerda e direita, que se deram mal, mas entre manter os partidos democráticos, ainda que corruptos, contra o pensamento extremista. Há uma multidão de descontentes que não aguenta mais a democracia representativa, o que é perigoso porque ainda é o melhor que podemos ter. A opção é o autoritarismo: Trump, Le Pen, Bolsonaro…

Teremos a eleição mais imprevisível da história?
O Brasil sempre me surpreende. Só lembro o que o meu pai dizia quando eu ficava enlouquecido: “Calma, o Brasil não vai acabar”.

Quais foram seus maiores fracassos na carreira?
O festival “Som, sol e surf”, em Saquarema. A chuva derrubou tudo e todo mundo entrou de graça, eu quase quebrei. O musical que fiz para a Marília (Pêra, então sua mulher), “Feiticeira”, é outro: foi fracasso de público e crítica e abalou o casamento.

Você sempre foi namorador. Quem gostaria de ter namorado, mas não rolou?
Teria namorado a Gal (Costa). Até os 40 anos, solteiro no Rio, dono do Morro da Urca… Era o paraíso. Mas não tenho mais tempo nem saúde para isso. Não estou mais atrás do grande amor, eu quero sossego, cumplicidade, amizade, como tenho com a Adriana, uma baiana que mora em Brasília e que reencontrei. Estamos juntos há sete meses.

Quem namoraria hoje?
Minhas amigas Sonia Braga, Maitê Proença, Marília Gabriela, Vera Holtz, Patrícia Pillar, Bruna Lombardi, Renata Sorrah… Já conheço e gosto. Mais recentemente, estou namorando Fabiula Nascimento, Adriana Esteves, Letícia Colin, Deborah Secco e Giovanna Antonelli simultaneamente! Não perco “Segundo sol”.

Como vê a questão do assédio?
Sou a favor da multa (contra cantadas) que aprovaram na França. Pau nesses vagabundos! Nunca falei barbaridade para mulher na rua. A última coisa que um cara desses quer é comer aquela mulher. Quer ofender, rebaixar, aviltar, diminuir. Terrível também é esse assédio de chefe, uma covardia. Nunca entendi o lance de teste do sofá. Se soubesse que a pessoa deu para mim para subir, ficaria humilhado.

Aos 73, que balanço faz da vida?
Me considero um privilegiado e faço o possível para devolver os privilégios. Escrevo para alegrar as pessoas. Minha vida de jornalista era um Facebook humano porque eu vivia de curtir e compartilhar.

Tem medo da morte?
Lido bem com a idade. Apesar dos problemas de saúde que enfrentei, minha cabeça sempre esteve boa. Não sei se há dez anos eu trabalhava tanto quanto hoje. Agora, tenho noção do ridículo, pavor de coroa metido a broto. Aprendi com a Costanza Pascolato (sua ex-mulher) que elegância é adequação. Tenho medo é de sofrer. Morrer, paciência.

90% das mulheres afetadas pela fibromialgia têm de 35 a 50 anos

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Dor, cansaço, falta de energia e disposição para realizar atividades rotineiras são os principais sintomas da fibromiagia

Maya Santana, 50emais

Se você quer saber mais sobre a fibromialgia, doença que se caracteriza pela dor crônica, precisa ler esta entrevista feita pelo Dr. Dráuzio Varella com Dra. Lin Tchie Yeng, médica fisiatra, que trabalha no Grupo de Dor do Serviço de Ortopedia do Hospital das Clínicas de São Paulo. Segundo ela, a doença está relacionada ao sistema nervoso e “acomete de 7% a 9% da população, especialmente as mulheres na faixa dos 35 aos 50 anos, mas pode também aparecer na adolescência.”

Leia:

fibromialgia, doença identificada apenas nas últimas décadas, caracteriza-se por dor crônica que migra pelo corpo e manifesta-se predominantemente em um de seus lados, embora o outro também seja sensível.A principal característica da fibromialgia é a dor crônica, que começa em um determinado ponto e se irradia pelo corpo. Em 90% dos casos a doença atinge mulheres de 35 a 50 anos e está relacionada ao sistema nervoso. Uma das medidas utilizadas para aliviar as dores é a prática regular de atividade física.

São nove os pontos fundamentais de cada lado em que a dor pode instalar-se:

1) na região subocciptal (atrás da cabeça);

2) no músculo trapézio (em cima do ombro e nas costas);

3) na região supraespinal;

4) na altura das vértebras cervicais;

5) na articulação condrocostal, onde a segunda costela se insere no osso esterno;

6) no joelho, especialmente na parte de trás do joelho;

7) no trocanter, área onde o fêmur se encaixa na bacia;

8) na região glútea;

9) do lado do cotovelo.

Em 90% dos casos, a doença atinge as mulheres, o que de certa forma confundiu o diagnóstico, uma vez que, por machismo, atribuía-se a dor à somatização de possíveis problemas psicológicos. Hoje, sabe-se que a fibromialgia é uma doença relacionada com o funcionamento do sistema nervoso central e o mecanismo de supressão da dor. Além da dor, ela provoca outros sintomas como fadiga, falta de disposição e alterações do sono.

CARACTERÍSTICAS E FREQUÊNCIA DA DOENÇA

Drauzio – A fibromialgia é uma doença muito frequente?

Lin Tchie Yeng – Estudos internacionais sugerem que a fibromialgia acomete de 7% a 9% da população, especialmente as mulheres na faixa dos 35 aos 50 anos, mas pode também aparecer na adolescência.

Drauzio – Quais são as principais características dessa dor e quanto ela interfere na rotina diária dos pacientes?

Lin Tchie Yeng – Dor, cansaço, falta de energia e disposição para realizar atividades rotineiras são os principais sintomas. Muitos pacientes se referem, também, à cefaleia (dor de cabeça), funcionamento inadequado do intestino (cólon irritável), sensibilidade durante a micção (síndrome da bexiga irritável) e ao sono pouco reparador, o que faz as pessoas já levantarem cansadas.

IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO

Drauzio – Existem nove pontos em cada lado do corpo em que a dor pode instalar-se. Como isso ocorre?

Lin Tchie Yeng – Normalmente, a dor da fibromialgia aparece num ponto determinado. A pessoa se queixa, por exemplo, de dor no braço e o médico suspeita de tendinite ou LER (lesões por esforços repetitivos). No outro dia, ela reaparece no ombro ou nas regiões lombar e cervical. É uma dor migratória que, na ausência de diagnóstico e tratamento adequado, pode espalhar-se por todo o corpo.

Drauzio – Você poderia explicar o que é LER?

Lin Tchie Yeng – LER (lesões por esforços repetitivos), ou DOT (distúrbios osseomusculares relacionados ao trabalho), é uma doença bastante comum atualmente. Estima-se que, em São Paulo, de 5% a 8% dos trabalhadores apresentem dor no braço ou na região cervical como consequência de suas atividades profissionais. No Hospital das Clínicas, mais ou menos 30% das pessoas com tendinite provocada pela repetição contínua de certos movimentos, sofrem também de fibromialgia e isso causa diagnósticos e tratamentos equivocados.

Não se sabe ainda explicar, porém, se a falta de tratamento adequado faz com que essa dor de início localizada se irradie por todo o corpo. O que se sabe é que nessas pessoas o sistema supressor da dor, que coordena a relação entre dor e analgesia, não funciona direito.

DOR TÍPICA DA FIBROMIALGIA

Drauzio – Quando você atende um paciente que se queixa de dor no braço ou nas costas que persiste por alguns dias quando escreve no computador por mais tempo, o que a faz suspeitar de que esse sintoma não seja resultado da má postura e da repetição dos movimentos, mas indique um processo de fibromialgia em desenvolvimento?

Lin Tchie Yeng – Sabe-se que 70% a 80% das pessoas já sentiram, em algum momento, dor nas costas. Essas dores, no entanto, são benignas e costumam melhorar espontaneamente, sem tratamento. As dores da fibromialgia duram pelo menos três meses e, em geral, não apresentam resposta satisfatória aos tratamentos clássicos com analgésicos, anti-inflamatórios e fisioterapia. Por isso, quando a dor for crônica, é importante procurar um especialista para diagnóstico preciso e indicação de tratamento adequado.

Drauzio – Você acha que talvez muitos médicos ainda menosprezem esse tipo de quadro de dor migratória e generalizada?

Lin Tchie Yeng – Nos Estados Unidos, até aproximadamente quatro anos atrás, apenas 25% dos profissionais reconheciam a existência de fibromialgia. No Brasil, a tendência maior tem sido atribuir a causa dessa dor a fatores de ordem psicológica ou familiar. Assim, é comum receber pacientes tratados sem sucesso durante cinco ou seis anos e aos quais foi indicado consultar um psicólogo ou psiquiatra. Clique aqui para ler mais.

O post 90% das mulheres afetadas pela fibromialgia têm de 35 a 50 anos apareceu primeiro em 50 e Mais.

Fernanda Montenegro: Acho que o vírus veio como castigo celeste

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Isolada com a família em um sítio em Petrópolis, Fernanda,90, falou dos tempos que vivemos. Foto: Canal Brasil

O programa já foi ao ar na TV. Mas tenho certeza que muita gente não viu. Por achar que vale a pena escutar o que ela diz, estou postando aqui no 50emais parte da entrevista concedida por Fernanda Montenegro a seu genro, o cineasta Andrucha Waddington, no sítio onde a família se isolou, em Petrópolis, para se proteger do novo coronavírus.

Fernanda, sempre alerta e sábia, na plenitude de seus quase 91 anos (outubro), fala da vida que está levando no isolamento, da importância transcendental da arte, e criou a sua própria teoria para demonstrar seu estado de perplexidade com a pandemia que vivemos: “Acho que o vírus veio como um castigo celeste,” diz ela. Para a grande atriz, “estamos vivendo uma hora muito desbaratinada.”

Veja o vídeo:

https://www.youtube.com/watch?v=kzjvMweoXqc

Lilian Pacce, jornalista de moda: A máscara será a nova camiseta

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Introduzida no nosso vestuário pelo novo coronavírus, parece que ela veio para ficar

O mais provável é que Lilian Pacce esteja certa quando diz que a máscara será a nova camiseta, no sentido de que incorporamos de vez essa nova peça do vestuário, introduzida pela epidemia do novo coronavírus. Como não há nem sinal que a pandemia esteja sendo contida, tudo mostra que nem tão cedo vamos nos livrar das máscaras.

Mas nesta interessantíssima entrevista que você vai ler abaixo, concedida a Cláudia de Castro Lima, para o Uol, Lilian Pacce fala de vários outros assuntos, inclusive de um robô que ela comprou para ajudá-la com o trabalho de casa. “Fiquei muito amiga do robô,” diz ela..

Leia:

“Outro efeito da pandemia é a máscara. No começo, todo mundo falou que as marcas não podiam fazer. Por que não?”

Há três anos, cansada de ver blogueiras postarem o “look do dia”, a jornalista e consultora de moda Lilian Pacce propôs um desafio. Batizado de #1lookporumasemana, era uma reação à mania de algumas blogueiras, que ela considera “um absurdo, além de muito cafona”, de ficar trocando de roupa toda hora. A ideia era que as pessoas usassem a mesma roupa durante sete dias, mudando apenas os acessórios. “A gente não tem que lavar e passar tanta roupa, porque isso é desperdício da nossa energia, água, eletricidade”, diz Lilian.

O desafio, que continua fazendo sucesso no Instagram, hoje se mostra ainda mais pertinente. “Por causa da pandemia, sem sair de casa, nós usamos menos roupa e, portanto, lavamos menos roupa. O desafio agora foi totalmente incorporado. As pessoas me falam: ‘Eu passo uma semana com a mesma calça’. E por que não, gente?”.

Lilian levanta a bandeira da sustentabilidade há quase 15 anos, desde que foi impactada pelo documentário “Uma Verdade Inconveniente”, sobre a campanha do ex-candidato à Presidência dos Estados Unidos Al Gore. “Aquilo me tocou profundamente”, conta. “Os questionamentos sobre moda, como ela precisava se transformar. Acho que agora a moda está fazendo essa lição de casa.”

Para ela, a relevância do setor não tem como ser questionada – afinal, a moda é e sempre vai ser uma forma de nos expressarmos, mesmo numa crise como a que vivemos. “A máscara vai ser a nova camiseta”, afirma. “Escolher usar uma de coraçãozinho, roxa ou com uma mensagem é um statement de moda.”

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Em casa desde o começo da pandemia, Lilian aprendeu a cozinhar e, por meses, deixou de cortar os cabelos. Em conversa com Universa, ela conta como criou uma campanha para apoiar a moda nacional, diz que o setor – assim como a sociedade – é racista e afirma que está decepcionada com os desfiles online, além de explicar por que um robô virou sua companhia constante.

A seguir, trechos da conversa com Lilian. Nas imagens, retratos de como as pessoas estão aliando proteção e estilo —com estampas combinadas, logomania, discursos e arte — em suas máscaras pelas ruas de diversas cidades pelo mundo.

Lilian Pacce, 58, paulista, tem um blog de moda e um canal no YouTube

Lilian, do que você tem observado, quais foram os principais impactos da pandemia para o universo da moda?

A gente ainda vai sentir muitos impactos. O primeiro, sem dúvida, é a freada que a produção e o consumo sofreram. Isso aconteceu com várias outras áreas, só que a moda tem um ciclo mais rápido que muitos setores. As marcas já tinham, por exemplo, a coleção de outono e inverno toda calculada para um determinado volume, e ele diminuiu muito. De cara, já saiu no prejuízo. A maioria das marcas também não estava preparada para venda online. Algumas cujo faturamento no online era de 3% até dobraram as vendas, o que é um sucesso, mas elas foram para 6%, 7%. O que é isso? Nada. Para fechar a conta, faltam 93%. Então é um momento muito delicado.

Você criou uma campanha para tentar reverter esse quadro. Como ela surgiu?

Um dos atributos da sustentabilidade, minha bandeira da vida, é o consumo local. Isso a gente já aprendeu com a alimentação, mas na moda ainda não é muito introjetado. Criei a campanha “Eu apoio a moda nacional” em cima de uma ideia do [estilista] Sandro de Barros. Ele pediu para as pessoas postarem no Instagram um look com uma marca nacional e eu postei um pouco antes de dormir. Quando acordei, o post tinha bombado. E resolvi fazer essa campanha em vídeo, que teve uma adesão linda de todo mundo, de camareiras e costureiras até garotas-propaganda e atrizes. Só por 75% da mão de obra da indústria da moda ser mulher, todo mundo já deveria apoiar a moda brasileira.

E por que não existe esse apoio?

Acho que tem um pouco de complexo de colonizado do brasileiro, essa coisa eterna de achar que a grama do vizinho é mais verde. Se uma marca internacional faz um baita sucesso é “uau”. Quando uma marca brasileira faz um sucessinho, implicam com ela. É muito importante a gente mudar essa chave. Não acho que ser supernacionalista e protecionista como França, Itália e Estados Unidos é o caminho, mas precisamos equilibrar melhor onde investimos nosso dinheiro enquanto consumidor, porque nós exercemos nossa cidadania através das escolhas de consumo, inclusive na moda.

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Você acha que, num contexto como o que vivemos de crise sanitária, a moda corre risco de ser vista como supérflua?

Não, porque a moda sempre será uma forma de expressão. Até que se vire radicalmente essa chave, ninguém vai sair nu por aí. Então, como todo mundo precisa se vestir, por que você abriria mão de fazer isso se expressando, se esse recurso está à disposição? Hoje, a grande maioria está optando por roupas confortáveis, mas tem gente que foi para o lado da fantasia. E isso é o fascinante da moda: ela permite e serve no que você precisar, no que quiser.

A moda sempre foi influenciada por grandes momentos da história, como guerras. Como você acha que ela vai responder à pandemia?

A primeira mudança é que as pessoas estão olhando aqui [ela faz um movimento apontando do tórax para cima]. Agora mesmo acabei de ter uma reunião com 50 pessoas no Zoom e a maioria usava um tricô, assim como você. É a coisa do conforto: você está em casa e, ao mesmo tempo, está bem-vestido. Outro efeito da pandemia é a máscara.

No começo, todo mundo falou que as marcas não podiam fazer. Por que não? Elas devem fazer, porque a máscara vai ser a nova camiseta. Escolher uma de coraçãozinho, roxa ou com uma mensagem é um statement de moda.

Claro que a primeira função dela é de proteção e é fundamental que ela proteja, mas uma coisa não elimina a outra.

“Vivemos numa sociedade racista, infelizmente, e a moda é um reflexo disso”

O seu desafio #1lookporumasemana faz ainda mais sentido hoje?

A ideia é passar uma semana com a mesma roupa. O desafio foi uma reação ao “look do dia”. Achava um absurdo, além de cafona e totalmente fora de moda. Parecia um monte de sinhazinha trocando de roupa o dia inteiro como se fosse em outro século, quando as mulheres tinham que se trocar para almoçar, tomar chá, jantar, ir no coquetel. Achava um retrocesso. Agora, por causa da pandemia, sem sair de casa, nós usamos menos roupa. O desafio foi totalmente incorporado. As pessoas me falam: “Fico uma semana com a mesma calça”. E por que não, gente? Lavar e passar tanta roupa é desperdício da nossa energia, de água, de eletricidade.

Em junho, uma modelo levantou no Instagram outra vez a questão do racismo na moda. Ela é racista?

A moda é racista. Assim como a medicina, o direito, a engenharia. Vivemos numa sociedade racista, infelizmente, e a moda é um reflexo disso. Mas há interesse em mudar.

Como ignorar que mais de 50% da população brasileira é negra e parda? O mercado de beleza já estava acordando no sentido de criar produtos específicos para as necessidades de pele ou de cabelo. Moda não tem uma necessidade específica, mas tem a identificação. Nos desfiles já há muita diferença. Agora teve a Semana de Moda de Alta-Costura, a de Moda Masculina de Paris e de Milão, e as marcas estão todas com representatividade. Não adianta ser apenas o efeito George Floyd, tem que ser para ficar, mas muitas vezes é preciso tomar um soco na cara para acordar.

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E como consumidores, o que podemos fazer?

Você pressiona, você escolhe. A hora que tiver que gastar R$ 100, não pense em gastar, e sim em investir. Para quem vou dar meu dinheiro? Quando a gente coloca no banco, não escolhemos o banco de nossa preferência? Então temos que escolher a marca. Optar pela que merece nosso crédito. Já está na hora de a gente assumir esse papel como consumidor, sabe?

Falando das semanas de moda, algumas marcas anunciaram desfiles presenciais, a Semana de Paris está voltando. É o momento para isso?

É o seguinte: eu não vou [risos]. O que vejo, até nas semanas digitais que aconteceram agora, é que as pessoas confundem o online com o ao vivo. Por um lado é interessante, porque criou-se um calendário como se fosse presencial: no horário tal a marca tal lança sua coleção. Por outro, o que a gente viu foi uma promoção de fashion films, de vídeos basicamente. Ninguém fez um modelo que misturasse, de fato, a emoção do ao vivo com a informação da coleção.

Confesso que fiquei até decepcionada com esses grandes criativos mundiais. E acho que essa Semana de Moda de setembro pode até ser presencial, mas ela jamais será como era antes, não tem como. Acho que o modelo futuro vai ser híbrido de físico com digital.

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São Paulo deve retomar a sua SPFW?

Não sei. Se você me perguntar hoje, eu falo: eu não iria. No começo da pandemia, o Alexandre [Herchcovitch] ia fazer um desfile e eu falei: eu não vou. Disse que achava que ele deveria fazer algo virtual. Ele ficou até meio bravo comigo. No fim, fez o evento digital, porque não era só eu, era muita gente com a mesma preocupação. Acho que a gente tem que se adaptar. A saúde tem que estar em primeiro lugar, precisamos tomar cuidado.

Durante a pandemia, alguns influencers se mostraram irresponsáveis. Teve gente que fez festa, outros pareciam viver em outro planeta. Isso é um sinal de alerta para as marcas?

Sabe aquela história de quando um não quer, dois não brigam? As marcas usaram alguns influenciadores, digamos, superficiais, que por qualquer dinheiro faziam qualquer coisa – e depois por muito dinheiro faziam também qualquer coisa. Mas houve um deslumbramento de ambas as partes com esse castelo de cartas. As fadinhas vinham e vendiam tudo o que estava encalhado – muitas vezes enganando quem estava lá. Virou uma máquina de moer dos dois lados porque um usou o outro. A liberdade e a autenticidade não estavam em questão. E veio a pandemia.

Como você ia vender “uma brusinha” quando a pessoa está lá sem emprego, sem comida? O conteúdo de verdade passou a ser valorizado.

A revista “Vogue Brasil” trouxe recentemente uma capa com a Gisele Bündchen, ao contrário das outras edições pelo mundo, que estamparam, por exemplo, mulheres da linha de frente do combate ao coronavírus. A revista errou?

Acho que sim. Uma capa que tem a Gisele usando uma marca internacional com a chamada “O Novo Normal”? As coisas não encaixam, entendeu? Você podia ter a Gisele, você podia ter o “novo normal”, mas junto não encaixou. Acho que foi uma infelicidade. Mas todo mundo erra e acho que, às vezes, você está tão envolvido no processo, planejou aquelas capas lá em dezembro, que não consegue pensar em outra coisa.

E como pessoalmente isso tudo a afetou? Você tem saído de casa, ido ao cabeleireiro?

Há muitos anos eu mantinha o cabelo curtíssimo. E, como não estou com coragem de ir no cabeleireiro, nem lembrava que tinha tanto cabelo. Aqui atrás está horrível, daí eu puxo tudo e faço um truque, jogando para trás. Mas já passei por vários momentos. No começo, fiquei muito em choque, até como comunicadora. Como eu poderia ser relevante? Pessoalmente, tinha medo de não dar conta de tudo. Uma amiga tinha me falado de um robô que limpa sua casa e eu comprei. Fiquei muito amiga do robô, ele é um dos grandes valores da minha vida hoje [risos]. E tive que aprender a cozinhar um pouco porque eu não sabia fazer nada e gosto de comer em casa. Tenho dias de angústia, dias de risada, mas, no geral, estou tranquila no sentido de aceitar. Acho que 2020 só em 2021.

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Apesar de protestos da família, Glória Pires fica grisalha aos 57

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Glória Pires depois de parar de pintar os cabelos: “Estou me sentindo bem, bonita, empoderada mesmo”

 

Glória Pires é mais uma a se render ao grisalho durante a quarentena, que agora parece mais longe de acabar, com a perspectiva da chegada de uma segunda onda da covid-19. Muitas outras atrizes, gente de TV, pessoas conhecidas e tantas desconhecidas aproveitaram esse período de isolamento, que começou em março, para levar uma vida mais simples, mais caseira mesmo, abandonando hábitos como o de pintar o cabelo.

No caso de Glória Pires, o curioso é que ela, disposta a mudar o visual, enfrentou resistência da família para se assumir grisalha. “Todo mundo foi contra, o marido, os filhos. Mas fui ficando. E estou adorando. Estou me sentindo bem, bonita, empoderada mesmo.” – conta ela, nessa entrevista a Mariana Weber , de O Globo.

Leia:

Gloria Pires nunca esteve tão de bem consigo mesma.Se a maturidade trouxe sono difícil e cabelos brancos (assumidos, apesar de protestos familiares), trouxe também mais liberdade para se mostrar quem realmente é. Não que envelhecer seja moleza. “Mas é mais fácil quando você abraça essa condição”, diz a atriz de 57 anos à revista ELA desta semana.

Durante o confinamento, Gloria chegou a tingir os fios para uma campanha publicitária. Depois voltou a deixá-los ao natural. “Estou me sentindo bem, bonita, empoderada mesmo.”

Foi também durante a quarentena que a atriz retomou o convívio com toda a família dentro de casa: o marido, o cantor Orlando Morais, os quatro filhos (Cleo, Antonia, Ana e Bento) e o gato Garfield. “Fomos para a casa de Brasília pensando em passar um ou dois meses e ficamos seis”, lembra. “Junto com o susto, com a expectativa, com o medo, tive momentos de muito prazer, de estar com a família sem ter que sair, viajar, tirar férias.”

São muitos os benefícios da maturidade: “Minha saúde é melhor agora: quero ter saúde para curtir minha velhice”

A seguir, alguns destaques da conversa.

Quarentena

“Foi algo novo ter o marido e os quatro filhos dentro da minha casa. A melhor parte foi isso, estar com eles. Duas filhas já moravam sozinhas, teve essa volta. E o Orlando é uma pessoa que viaja muito. Então, como casal, a gente também teve que fazer ajustes. Sou uma pessoa que adora a liberdade, mas acho que as limitações trazem ensinamentos. Sinto que aprendi muitas coisas. Uma delas foi assumir o meu lugar como dona da casa e mãe dessa família. Na lida diária.”

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Cabelo branco

“Eu estava querendo deixar meu cabelo branco há algum tempo. Mas na última novela, ‘Éramos seis’, como transcorriam 30 anos na história, seria complicado: o consenso foi que eu deveria ter o cabelo pintado e ir fazendo os brancos de acordo com a continuidade. Quando acabou, falei: ‘Agora vou deixar’. Todo mundo foi contra, o marido, os filhos. Mas fui ficando. E estou adorando. Estou me sentindo bem, bonita, empoderada mesmo.”

Mais segura de si: “Vivi 57 anos, tenho rugas, flacidez, estes cabelos são meus. E isso não me faz sofrer”

Envelhecimento

“O sono muda muito. Tem vezes que durmo melhor, tem vezes que durmo pior — me trato com medicina ortomolecular, tenho uma suplementação, faço meditação. Mas é um processo. É mais fácil quando você abraça essa condição. Vivi 57 anos, tenho rugas, flacidez, estes cabelos são meus. E isso não me faz sofrer. Quando eu era mais jovem, talvez pensasse neste momento com mais dificuldade. E minha saúde é melhor agora: quero ter saúde para curtir minha velhice e tudo pelo que trabalhei. A menopausa está rolando bem. Fiquei com receio no início. Mas não está sofrido.”

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Rita Lee: Os deuses me ofereceram uma vida inesquecível e generosa

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Há oito anos, Rita vive com o marido, Roberto, em um sítio, nos arredores de São Paulo

Rita Lee é realmente uma pessoa afortunada por ter tudo que tem, inclusive o respeito e a admiração de boa parte dos brasileiros. Nesse 31 de dezembro, quando completa 73 anos,  ela diz que está vivendo a velhice que sempre sonhou, ao lado do marido de quatro décadas, Roberto Carvalho, de plantas e dos muito animais de que cuida no sítio em que se refugiou, perto de São Paulo, há oito anos. Para celebrar mais um aniversário, no último dia de um ano tão peculiar como foi esse 2020, postamos esta entrevista, feita por Pedro Antunes, para o Uol.

Leia:

Há 40 anos, Rita Lee torcia por um futuro melhor. Não queria luxo. Não queria lixo. Pedia por saúde. “Pra gozar no final”. É intrigante e poético encarar o tempo. Um senhor que se recusa a parar, implacável e inevitável. Inspirador, também.

Assim fez Rita Lee no álbum homônimo, mas mais conhecido como “Lança Perfume”, lançado em 1980, com a música “Nem Luxo, Nem Lixo”.

Quatro décadas depois de escrever e cantar sobre o futuro em um disco histórico, Rita está aqui e goza o agora aos 73 anos de idade, completados hoje (31). Deixou os palcos, vive com o marido, músico e produtor Roberto de Carvalho, curte netos e a chegada da velhice escancarada pelos fios brancos não mais tingidos com a icônica coloração vermelha.

“Os deuses me ofereceram uma vida inesquecível e generosa, desde a família em que nasci até a família que tenho hoje. A experiência que tive neste planeta foi um aprendizado espiritual precioso. Agora, vivo a velhice que sempre sonhei: morar no mato cercada de plantas e bichos, na companhia de Roberto, meu namorado há 44 anos, melhor parceiro musical, pai dos meus três filhos lindos e avô de meus dois netos fofos. Because I’m happy…”

Rita é uma das artistas brasileiras mais deliciosas de se entrevistar. Mesmo em um papo virtual, por e-mail. O que poderia ser uma aparente frieza é transformado em uma troca afetuosa. É de ler cada palavra e ouvi-la sendo dita. Algo mágico, mesmo. E, descolada, usa até emojis nas respostas.

Rita Lee e Roberto de Carvalho toparam conversar com a coluna com o gancho dos 40 anos de aniversário do álbum citado acima, doravante chamado de “Lança Perfume” para evitar confusões. O disco ganhou uma reedição comemorativa, em vinil (com a bolacha translúcida, linda demais), pela Universal Music.

O álbum “mudou” de nome graças ao pop efervescente e carnavalesco da primeira faixa do álbum, a música “Lança Perfume”, é claro, uma faixa que estourou no Brasil, mas também fora, em lugares como França e Estados Unidos.

Foi um disco importante para a carreira de Rita e de Roberto de Carvalho. Depois de Rita revolucionar a Tropicália com Os Mutantes e de fazer ruído com a fase roqueira solo, ela e Roberto prepararam “Lança Perfume”, um disco bem blockbuster com músicas pop de DNA brasileiríssimo.

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É um álbum tão solar quanto aquele fenômeno do sol da meia-noite nos países nórdicos – quando a luz do sol dura 24 horas. “Lança Perfume” é, 40 anos depois, um disco de hits. Você pode cantar o álbum do começo ao fim mesmo que não seja especialista na obra de Rita Lee. “Bem-Me-Quer”, “Baila Comigo” (escrita em cinco minutos, após um sonho), “Caso Sério”, “Nem Luxo Nem Lixo” são deliciosas, irônicas, lascivas, rebeldes.

É também um disco sobre amor. Sobre a paixão arrebatadora que uniu Rita e Roberto até hoje (eles iniciaram o romance quatro anos antes do lançamento deste álbum).

Rita e Roberto, o casal mais genial e inspirador da música brasileira, responderam às questões sobre o álbum quarentão em meio às declarações fofas como “minha mulher é gênia” e “dona da voz mais sexy que conheci na vida”, e informações de que músicas inéditas estão prestes a sair do forno do sítio onde moram.

Pareceu-me uma boa ideia encerrar o 2020 desta coluna, iniciada em meados de outubro, com uma entrevista deliciosa e exclusiva com esse casal de bambas. Foram enviadas 5 perguntas para cada um deles. Vamos a elas?

Rita, se o álbum ‘Lança Perfume’ fosse uma pessoa, como seria? Em 2020, aos 40 anos, teria filhos? Passaria pela crise dos 40? Consegue fazer um exercício de imaginar esse disco como alguém em carne e osso?

Ela vive cercada das plantas e animais que ama tanto

Rita Lee: É uma pessoa alto astral e sedutora; prefere um filho só; na pandemia resolve escrever um livro de contos; tira de letra alguns fios de cabelo branco; não sabe se ri ou se chora diante das palhaçadas do governo; adota um bicho; se interessa por yoga mas também bota ‘Satisfaction’ no volume mais alto e solta a franga na sala.

Roberto, em 1979, muito se falou do álbum “Rita Lee” (mais conhecido como “Mania de Você”), O que sentiu quando terminaram o disco sucessor, esse que também tem nome de “Rita Lee”, mas que é mais conhecido por “Lança Perfume”?

Roberto de Carvalho: “Bom, o disco Mania de você foi um verdadeiro tsunami, as músicas estavam em toda parte, as pessoas cantavam, as rádios tocavam sem parar, o disco vendia a rodo e, o mais importante: tocou profundamente os corações de tantas pessoas numa época tão difícil de repressão ostensiva, de pouca liberdade. Nós mesmos vindo de uma situação de prisão, restrição física e psicológica, tendo que submeter as músicas à censura que muitas vezes as vetava dificuldades financeiras, enfim problemas de todo tipo.”

“Eu, lidando com a expectativa do que resultaria no fato da Rita, que já vinha de uma carreira de sucesso, já uma estrela, se juntando a mim na música. Teria sido terrível se o resultado fosse um flop. No fim, conseguimos nos livrar de estereótipos que já vinham projetados nela, construímos uma obra musical original, longe de ser algum repeteco requentado do que ela vinha fazendo antes. O resultado foi espetacular. E tudo aconteceu organicamente, sem estratégias, até porque nunca fomos muito bons de estratégias. O que fazíamos era trabalhar incansavelmente em músicas, discos, shows, especiais, enfim…

Já no Lança Perfume existia à nossa volta a expectativa de que não conseguíssemos repetir a proeza. E o resultado foi um segundo tsunami musical, bem mais forte do que o primeiro. Foi tudo feito com muito tesão, alegria, inspiração, músicos incríveis, uma conjunção rara de fatores diversos.”

Leia também: Essa Rita Lee sou eu, com meus cabelos brancos, minhas rugas…

Rita, muito se fala em pop quando se trata do disco “Lança Perfume”, não é? Para mim, esse é o gênero musical mais fluído que existe, porque pode ser um tanto de coisa. O que é ser pop para você?

Rita Lee: “Pop é tudo o que bate direto no coração.”

Roberto, perguntei isso para Rita, mas também queria ouvir de você. O que é o pop? Roberto de Carvalho: “A pedra fundamental de pop, para mim, foi Beatles, que ouvi pela primeira vez aos 12 anos e fui imediatamente conquistado. E justamente pela diversidade, pelo ‘é proibido proibir’, qualquer gênero de música cabia. Meu instrumento era o piano, que toco desde criança, mas depois de Beatles tive que ir para a guitarra, e aí entrou Stone na equação. Mais tarde Santana. Sempre com João GIlberto, Caetano Veloso, Gilberto GIl, e muitos outros, rodando a toda na vitrola. E muita música de muitos países e épocas diferentes, música clássica, latina (me gusta mucho), etc. Um liquidificador pop.”

“Pop é popular, é o que nasce num nicho e conquista o mainstream. Quando eu era novo, pop era quase uma casualidade, espontâneo. Com o tempo foi se transformando numa estratégia. Mas, ainda assim, com grande nível de organicidade, porque depende de consagração popular. As pseudoelites têm a tendência macabra de desqualificar o que se torna popular. Entre roqueiros xiitas, a gente vê uma quase repulsa ao pop. Nos anos 60, os jazzistas viam o rock com essa mesma repulsa, como uma submúsica. Tudo parece mudar para no fim dar no mesmo ‘vício’, o sectarismo. E viva o pop, o rock e viva todo tipo de música.”

Rita, falando sobre o álbum ‘Lança Perfume’, eu sinto muito amor emanando neste disco. Coisa de pele, coisa de sonho. Qual é o fio que guia essas músicas, se é que ele existe. Como descrevê-lo?

Rita Lee: “Eis aí um exemplo do que é pop (risos)… Sensual, ousado, romântico, sonhador, poético, sarcástico e bem feito”

Roberto, como falávamos, esse disco “Lança Perfume” emana tanta liberdade estética e sonora. Não por acaso, é considerado uma pedra fundamental do pop. Com a perspectiva do hoje, com essas décadas passadas, qual foi a importância deste álbum para a música brasileira?

Roberto de Carvalho: “Enorme. Sendo Rita uma mulher com um discurso libertário, hedonista, não intencionalmente feminista, empoderador, dividindo as delícias de uma relação de amor sem nenhum pudor, mas com profundo talento e bom gosto, dona da voz mais sexy que conheci na vida. Se reinventando e se superando. Brilhando num território encharcado de misoginia, sectarismo e ufanismo destrambelhado. Minha mulher é gênia. O conjunto da obra é prova disto. Do ponto de vista musical, é um encontro de uma tradição São Paulo, representada pela Rita, DNA americano e italiano, e Rio de Janeiro, representada por mim, DNA brasileiro de muitos séculos, carioca, paulista, baiano e mineiro. Os dois com bagagem musical eclética.”

Rita, a história deste disco conta que “Baila Comigo” é uma música que veio em um sonho. Isso me parece tão mágico. Sonhou, escreveu e, em cinco minutos, a faixa estava pronta. Isso era comum contigo? E hoje, ainda sonha com músicas novas?

Rita Lee: “Quando dormimos, viajamos para dimensões astrais onde sonhos são tão reais que nos fazem perceber que aqui na Terra tudo não passa de ‘maya’, uma ilusão. Volta e meia, acordo cantarolando pedaços de letra ou melodias tipo mantras e vou correndo anotar.”

Roberto, você falava sobre como esse disco apontava para diferentes estéticas sonoras. O que guiava vocês nesta concepção estética na época? Vocês gravitavam em torno de algo ou alguma ideia?

Roberto de Carvalho: “A ideia era fazer o que desse prazer. Nós morávamos numa casa no Pacaembu, vivendo uma intensa paixão, com dois filhos pequenos e tínhamos instrumentos por toda parte, então, era música sem parar o tempo todo. Nas músicas que iam surgindo, a inspiração, os personagens, os temas, éramos nós mesmos.”

Rita, em “Nem Luxo Nem Lixo”, você falava sobre um futuro, não é? Claro, a música tem todo o lance de tratar do Brasil de 1980, as questões sociais e políticas da época, mas também há uma perspectiva de ‘como quero estar em sei lá quantos anos’. A Rita de hoje, imagino, não vive de luxo nem de lixo e tem saúde pra gozar no final. Está feliz com como as coisas se desenrolaram nesses 40 anos até a sua existência em 2020? Rita Lee: “Os deuses me ofereceram uma vida inesquecível e generosa, desde a família em que nasci até a família que tenho hoje. A experiência que tive neste planeta foi um aprendizado espiritual precioso. Agora, vivo a velhice que sempre sonhei: morar no mato cercada de plantas e bichos, na companhia de Roberto, meu namorado há 44 anos, melhor parceiro musical, pai dos meus 3 filhos lindos e avô de meus 2 netos fofos. Because I’m happy…”

Por fim, Roberto, é o amor que transborda pelos versos e melodias deste disco. É uma história de amor e também de uma parceria musical, certo? Como você falou há pouco, vocês, dois filhos, muita paixão. Esse amor segue dando frutos musicais? Eventualmente levaremos um susto de uma música nova de vocês, ou disco, chegando às plataformas digitais?

Roberto de Carvalho: “Amor não acaba, se acabar não é amor. Bom, é o seguinte: o Beto, nosso filho mais velho, está com um show pronto que já teria estreado não fosse a pandemia, que homenageia nosso repertório. O máximo. Chama-se “CeLeebration”. O João, filho do meio, está terminando um projeto na Umusic, produzido por ele, de remixes de músicas nossas, feitas por DJs nacionais e internacionais. Está sensacional e logo vai entrar nas plataformas. Acho que isso tudo nos motivou e gravamos uma música nova, produzida pelo Gui Boratto. Está pronta. Não sei ainda quando vai ser lançada. E, é claro, bem pop. E nada impede que outras venham na sequência.

Sandra Passarinho entrevista o médico Alexandre Kalache sobre envelhecimento e o impacto da pandemia nos mais velhos

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Alexandre Kalache: “Envelhecer é um processo da vida inteira. Quanto mais cedo você se preparar para a velhice melhor. Mas nunca é tarde demais”

A consagrada jornalista Sandra Passarinho torna-se a mais nova integrante da equipe de colaboradores do 50emais. A partir de agora, contaremos com suas reportagens, artigos e entrevistas, como esta que você vai ver com Dr. Alexandre Kalache, um dos maiores especialistas em envelhecimento no Brasil.

Depois de décadas trabalhando na televisão, fazendo o que tornou-se sinônimo de jornalismo de alta qualidade, Sandra decidiu dar uma pausa. Mas, felizmente, não durou muito. Aos 70 anos, ela retoma a atividade jornalística no 50emais, site criado há mais de uma década, de reputação consolidada, por oferecer informação confiável.

Sandra Passarinho figura entre as jornalistas mais conhecidas do Brasil. Desde os 19 anos exerce, com rigor e brilhantismo, a profissão para a qual foi talhada. Aos 23, tornou-se a primeira correspondente da TV Globo na Europa. Quem não se lembra de suas memoráveis reportagens, cada hora num país europeu?

“Eu viajava o tempo todo, não tinha dia nem hora para nada. O cinegrafista e eu éramos uma espécie de equipe Brancaleone fincando nossa bandeira mundo afora,” conta ela, relembrando os tempos em que as viagens de trabalho a levaram aos quatro cantos do mundo.

De volta ao Brasil, ao Rio de Janeiro, onde nasceu e cresceu, Sandra deu prosseguimento ao seu excelente trabalho na TV. Durante anos e anos, andou por todo canto do país. Depois de tanto tempo na estrada, ela confessa com alegria: “Conheço o Brasil de cabo a rabo.”

É com essa experiente jornalista que teremos o privilégio de contar na equipe do 50emais, neste momento delicado, quando o país luta desesperadamente contra a pandemia do novo coronavírus e, por isso, necessitamos mais do que nunca de profissionais sérios, com a credibilidade de Sandra Passarinho. Não haveria hora mais oportuna para começar essa parceria.

A primeira entrevista para o 50emais, como dissemos, é com o conhecido Alexandre Kalache, médico epidemiologista, gerontólogo, especialista em envelhecimento ativo e presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil (ILC-Brasil). Dr. Kalache foi diretor do Programa de Envelhecimento da Organização Mundial da Saúde (OMS) e morou muito anos fora do Brasil. Exatamente pela sua experiência, ele tem sido um dos especialistas mais requisitados para ajudar o Brasil a entender a pandemia.

Veja a entrevista:

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Veja as dez profissões do futuro ligadas ao envelhecimento da população brasileira

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Sandra Passarinho entrevistando a professora Michelle Queiroz Coelho, coordenadora do estudo da Fundação Dom Cabral

Dentre as grandes mudanças que vêm ocorrendo no Brasil em decorrência do envelhecimento da população está o surgimento de novas profissões e o aumento da demanda por outras que já existem, mas vão se tornando mais importantes à medida em que os habitantes do país envelhecem, como cuidador de idosos, gerontólogo e geriatra. Um estudo feito pela Fundação Dom Cabral(escola de negócios) mostra que são 10 as profissões mais promissoras, entre elas algumas pouco conhecidas, exatamente por serem uma novidade entre nós, como cuidador remoto, conselheiro de aposentadoria, curador de memórias pessoais e especialista em adaptação de casas para a terceira idade.

Sandra Passarinho, colaboradora do 50emais, conversou com a coordenadora do estudo da Fundação Dom Cabral, professora Michelle Queiroz Coelho, que falou, inclusive, do preconceito existente contra pessoas idosas. O resultado é esta excelente entrevista.

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Sandra Passarinho entrevista Carlos Nobre, ambientalista respeitado mundialmente

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Sandra conversando com o cientista sobre o projeto dele para o desenvolvimento sustentável da Amazônia

Em meio às discussões sobre o futuro da Floresta Amazônica, com um grande aumento, nos últimos tempos, do desmatamento e da destruição da mata, surge uma esperança para a região: um projeto inovador, “Amazônia 4.0”, levado adiante por Carlos Nobre, um dos mais respeitados e premiados estudiosos brasileiros do clima e das mudanças climáticas, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo(USP). Nesta excelente entrevista à jornalista Sandra Passarinho, o cientista explica que o projeto, visando o desenvolvimento sustentável da região, através do uso de tecnologia de ponta, visa a impedir a savanização da Amazônia – profunda transformação da vegetação, com consequências drásticas sobre o clima). E surge como uma terceira via.

Carlos Nobre, primeiro brasileiro a receber, o prêmio para Diplomacia Científica, da Associação Americana para o Avanço da Ciência, em fevereiro deste ano, começa a entrevista explicando o conceito das outras duas vias. A primeira, cujo objetivo era preservar a Amazônia, criou áreas de conservação e proteção dos territórios indígenas, sem ter um projeto específico para o desenvolvimento da região.

Já a segunda, idealizada pelo regime militar, depois do golpe de 1964, tinha como meta a ocupação da Amazônia por gente vinda de toda parte do Brasil, tendo em mente a expansão contínua da agropecuária. O cientista cita uma frase que norteou o projeto dos militares: “A ocupação da Amazônia seguirá a pata do boi.” Segundo Carlos Nobre, essas ideias vieram a tona novamente nos últimos tempos. “Voltamos 50 anos no tempo,” diz ele.

O plano proposto na terceira via, cuja implementação foi iniciada em 2018, visa a proteger a floresta e os povos tradicionais da região, principalmente as comunidades indígenas, mas também “gerar uma economia valiosa e sustentável(bio-economia).” E o que esse projeto traz de novo em relação aos outros dois? Ele responde: “A ideia do Amazônia 4.0 é que podemos ter uma economia mantendo a floresta em pé, através da industrialização dos seus produtos, com tecnologias modernas, agregando valor e criando empregos melhores.”

Embora o Brasil tenha a maior biodiversidade do planeta, Carlos Nobre lembra que aproveitamos pouquíssimo dessa riqueza. “A nossa biodiversidade gera mais de cinco mil frutas. E quantas delas estão na nossa economia? Apenas umas 20,” afirma ele, dando todos os detalhes do seu projeto na entrevista.

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Os cabelos brancos de Marieta Severo: ‘A pandemia me ajudou a dar esse passo’

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Marieta Severo assumiu os cabelos brancos: ‘Pandemia me ajudou a dar esse passo’ Foto: Leo Aversa / Agência O Globo

Neste final de semana, o jornal O Globo publicou uma longa entrevista com a atriz Marieta Severo, 74, na qual ela fala de suas angústias pessoais, como a torcida pela recuperação do marido, o teatrólogo Aderbal Freire Filho, 80, vítima de um AVC – Acidente Vascular Cerebral -, no ano passado. E também fala de suas preocupações com o rumo que o Brasil vai tomando, da asfixia da cultura e da trajetória acidentada que o país vem trilhando nos últimos dois anos. Sobre seu novo visual, de cabelos bem brancos, ela brinca que a libertação veio com a pandemia.

Selecionei poucos trechos da entrevista dessa grande artista. Leia:

Marieta Severo estranha quando se olha no espelho. Ainda não se acostumou com os cabelos brancos. Mas está “felicíssima” após passar quase 30 de seus 74 anos retocando os fios com tinta escura. A pandemia a libertou (“eu e a um monte de mulheres, o que é maravilhoso!”). Quem dá de cara com a atriz pessoalmente tem a impressão de que ela nasceu para o novo penteado. Ele contrasta com a pele morena e coroa a elegância de seu corpo esguio.

Em junho do ano passado, Aderbal Freire-Filho, seu companheiro há quase 20 anos, sofreu um AVC. Os dois viviam um casamento em lares separados, mas depois do episódio, Marieta o acolheu. É na casa dela, em meio a um esquema hospitalar, que o diretor teatral encara, consciente, a batalha para recobrar os movimentos (“acredito que ele vai conseguir recuperar algo da vida dele e da nossa”).

Marieta, ainda de cabelos, pintados, teve Covid_19 no ano passado

O medo da morte ficou ainda mais concreto quando a atriz contraiu Covid em dezembro. Ficou internada a poucos metros do marido, no mesmo hospital. Diante do diagnóstico de quase 50% do pulmão comprometido, perguntou ao médico: “Vou ser intubada e morrer?”. Felizmente, escapou dessa.

E agora grava a próxima novela das 9 “Um lugar ao sol”. Ela interpreta Dona Noca, uma cozinheira batalhadora e cheia de jogo de cintura que criou a neta (Andréia Horta).

— É o personagem mais positivo que já fiz. Ela tem muita sabedoria de vida. Superou momentos difíceis e os transformou em coisas construtivas. Noca sempre me resgata.

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Fafá de Belém: “É como se envelhecer no Brasil fosse pecado”

Leilane Neubarth comanda ‘O tempo que a gente tem’, programa sobre o envelhecer

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A apresentadora, de 62 anos, teve a ideia do programa sobre envelhecimento depois que se tornou avó

50emais

A decisão do canal pago GNT de criar esse novo programa é mais uma evidência de que, aos poucos, os meios de comunicação vão abrindo espaço para discutir as mudanças que estão se operando na sociedade com o envelhecimento rápido da população. “O tempo que a gente tem”, que vai ao ar às quartas-feiras, discute “as dificuldades, as perdas e os desafios do passar dos anos.” E é comandado pela veterana apresentadora Leilane Neubarth, autora da ideia do programa, que surgiu depois que ela se tornou avó. “Queremos ouvir pessoas e suas experiências, não especialistas trazendo regras”, explica Leilane, que foi casada duas vezes, tem dois filhos e um neto. Nesta entrevista concedida a Raquel Carneiro, da revista Veja, ela comenta não só o novo projeto, mas também se abre, pela primeira vez, falando da sua vida pessoal, inclusive do relacionamento com mulheres.

Leia:

A jornalista Leilane Neubarth, 62 anos, estranhou quando, ao se tornar avó passou a receber mensagens e brincadeiras de conhecidos com a estereotipada imagem de uma senhora idosa, de cabelo branco em coque, óculos e tricô na mão. “Eu não sou esse tipo de avó. Muitas mulheres que eu conheço também não são” , disse. O estalo a motivou a pesquisar sobre o assunto, com o intuito de criar um programa de TV voltado para o público com mais de 50 anos. Com o isolamento imposto pela pandemia – que atingiu principalmente os idosos –, Leilane, afastada da grade da GloboNews, tirou o projeto da gaveta e desenvolveu O Tempo que a Gente Tem, programa dirigido por Susanna Lira, exibido às quartas-feiras no canal pago GNT. Nele, a jornalista recebe convidados famosos e anônimos e, pela primeira vez, se abre sobre sua vida pessoal. A VEJA, ela fala sobre o projeto e o amadurecer no trabalho e no amor.

Por que sentiu a necessidade de fazer este programa?

Pois esse público, do qual eu faço parte, não é representado na televisão e na publicidade. Ironicamente, o público 50+ é o que mais assiste televisão e muitos estão aposentados, com tempo e poder aquisitivo para consumir. Entendo que os canais queiram atingir os jovens, mas não podem ignorar o público fiel, que vê novela, que assiste jornal, que mantem esse hábito há anos. Assim, pensamos em um programa em tom de documentário e não reportagem, dividido em quatro partes, com temas como amor e trabalho. A ideia não é dizer como as pessoas devem envelhecer. Não é: “beba água, faça exercícios tantas vezes por semana, olha essa cirurgia plástica”. A ideia é ouvir pessoas e suas experiências, não especialistas trazendo regras.

Existe a ideia de que o envelhecer é mais difícil para a mulher. Concorda?

Na verdade, não. É curioso que ao falar de envelhecimento, logo pensam na aparência. Mas essa não é uma temática da série. Esse é um assunto que preocupa mais as mulheres no pré-envelhecimento, não tanto as que já estão no envelhecimento. Existem coisas mais importantes que falar de rugas. Para os homens, por exemplo, um grande dilema do envelhecer é a perda do poder que muitos costumam ter na vida profissional, mas não se reflete dentro de casa. Se tudo der certo, quero fazer uma segunda temporada voltada para o público masculino.

Qual foi a grande mudança na sua vida após os 50?

Foi na vida amorosa. Eu não tinha a menor ideia do que viria a acontecer comigo na maturidade. Me casei com o primeiro marido aos 20, me separei aos 26, e, aos 28, me casei com meu segundo marido. Tive dois filhos, um de cada casamento. Com meu segundo esposo, vivi 22 anos casada. A relação sofreu um desgaste grande e nos separamos. Eu sofri muito, tinha planejado minha vida com ele, envelhecer com aquele homem. Lembro que, na época, falei para minha terapeuta: “cara, sonhei a vida inteira em envelhecer com um marido, e tudo naufragou”. Ela respondeu: “talvez seja melhor você sonhar com outras coisas, porque esse sonho aí já não rolou. A menos que você queira ser infeliz pelos próximos 30 anos”. Paralelamente, aconteceu uma coisa totalmente inesperada: aos 52 anos, eu me apaixonei por uma mulher.

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Isso não havia passado por sua cabeça antes?

Não, nunca imaginei que me apaixonaria por uma mulher. Algumas pessoas me falavam: “Ah, então você sempre foi gay e foi infeliz porque era casada com um homem”. Não! Eu era feliz com minha vida sexual, amorosa, matrimonial. Só que aí eu me separei e, de repente, as coisas começaram a acontecer e surgiu essa outra emoção, outro sentimento, uma outra atração que eu nunca tinha pensado. Se me perguntam: “Você nunca teve tesão em mulher?”. Não, não tinha. Acho que foi algo que surgiu num momento em que eu estava priorizando a delicadeza amorosa e a harmonia. Então, de lá pra cá, eu venho tendo relações tendo relações homossexuais.

E está feliz?

Muito, muito feliz. Mas se você me perguntar “vai ser assim a vida inteira?” , não sei. Eu parei de fazer planos, porque o plano que não se concretiza nos frustra. Sem planos, sem frustrações (risos). Hoje tenho uma namorada, estamos juntas há pouco mais de um ano. Como jornalista, dona de uma postura impessoal e acostumada a ouvir entrevistados, como foi se abrir sobre sua vida pessoal no programa? Foi estranho, foi bem estranho no começo. Porque pode não parecer, mas eu sou uma pessoa bem tímida. A Leilane jornalista é outra coisa, pergunta, não tem pudor, sobe em carro alegórico, vai na cadeia conversar com presas. Eu não tinha o costume de falar da minha vida pessoal. Acho mais fácil falar dos outros. Mas a proposta da Suzana era que eu me abrisse, pois tenho um lugar de fala na conversa.

Há 40 anos você trabalha como jornalista, no calor de eventos marcantes. Como foi ser afastada durante a pandemia?

Nossa, foi péssimo. Foi péssimo. Eu passei por uma montanha-russa de emoções, como todo mundo, né? No primeiro dia em casa, eu chorava, chorava. Quando me deram a notícia, que todos com mais de 60 anos seriam afastados, eu tentei rebater. Disse que era saudável, que eu poderia ser uma exceção, mas não deu. Tive momentos de ficar em casa enlouquecida com o noticiário, com duas televisões ligadas ao mesmo tempo, em canais diferentes, 24 horas por dia. Chegou um momento que eu estava tão intoxicada, que coloquei um limite, com horários para consumir informação. Passei a ler, ver séries e desenvolvi esse programa.

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Como foi pisar no estúdio de novo?

Eu me senti como se fosse a primeira vez que eu botava os pés ali. Eu entrei na Globo aos 19 anos, lembro que meu coração saltava, era uma excitação estar naquele lugar. Agora, de novo, me senti uma criança no primeiro dia de escola. Percebi que tenho medo de ser improdutiva, e que isso é muito comum na velhice. A conclusão que cheguei com esse programa é que a velhice produtiva é o melhor caminho. Existem muitos caminhos, para além de um emprego. Você pode empreender, fazer trabalho voluntário, artesanato, plantar, dar aula. São muitas opções. Eu, por exemplo, fiz um curso de florista. Se eu deixar o jornalismo, já tenho um plano B!

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Fernanda Montenegro: ‘Tudo já é meio uma despedida para mim. Uma hora acaba. Não tem jeito’

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Eu tive um desmaio (em 2019) durante uma gravação no Sul do país. Eu demorei para acordar novamente. Mas, quando voltei, senti uma paz absoluta que contrastava com todo aquele alvoroço ao meu redor. Neste retorno, havia um hiato. Eu não lembrava do passado e nem do presente. É como se tivesse acontecido um desligamento. Será que a morte é isso? Foto: Juan Martinez

50emais

Fernanda Montenegro, que acaba de entrar para a Academia Brasileira de Letras, tem sempre algo interessate para dizer. Em outubro, ela completou 92 anos de vida, cheia de planos e com uma agenda que só não está mais movimentada por causa da pandemia, que insiste em se manter aí. Escolhemos para postar aqui um trecho da longa entrevista que ela concedeu a Vagner Fernandes, do jornal espanhol El Pais, à propósito da sua admissão na ABL. Nessa conversa, ela comenta a própria finitude e fala sobre o depois da morte: “Se eu for para algum lugar, eu queria muito levar a minha memória,” diz a nonagenária atriz e acadêmica, perfeitamente consciente da riqueza da sua biografia. Carioca, alfabetizada em Belo Horizonte, aos oito anos já estava num palco.

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Arlette Pinheiro, nome de batismo de Fernanda Montenegro, tem autoridade para discorrer sobre as glórias e as mazelas do Brasil. Viveu o céu e o inferno em períodos diferentes da vida. Nasceu no subúrbio do Rio de Janeiro, no bairro de Campinho, mas foi em Belo Horizonte que se alfabetizou. Começou no teatro aos oito anos de idade, interpretando um personagem masculino, um militar. Nas memórias que preenchem as páginas de sua autobiografia assinala não ter ficado nervosa. E relata que guardou para sempre a sensação de levitar, envolvida numa luz cor-de-rosa, sentindo-se fora do corpo físico.

“Mas não suspeitei de que, um dia, aquele seria o meu ofício. A minha vida”, conta a atriz. Até alcançar o estrelato e converter-se em unanimidade nacional, Fernanda percorreu um longo caminho. Foi secretária e professora de inglês. E só abraçaria o teatro como profissão após ser aprovada em um teste para ser locutora e atriz do programa Radioteatro da mocidade da extinta Rádio MEC (do também extinto Ministério da Educação e Cultura).

Foi lá que adotara o nome artístico. O “Fernanda”, segundo ela, tinha um ar de romance do século XIX. Já o “Montenegro” foi homenagem que prestou a um médico da zona Norte do Rio que atendia aos pobres gratuitamente. Até na escolha do nome com o qual se consagraria denota generosidade, simplicidade e politização. Reverenciou um profissional da saúde que, por compaixão, se dispunha a servir aos menos favorecidos sem cobrar pelo trabalho. Fernanda sempre esteve de braços dados com a ciência. Jamais a negou.

Nestes tempos de pandemia, seguiu rigorosamente todas as orientações dos médicos que lhe acompanham. Tomou as três doses de vacina, usa máscara incondicionalmente e mantém o distanciamento social. A entrevista para o EL PAÍS, único veículo estrangeiro com o qual aceitou conversar após ser eleita imortal da ABL, foi concedida por meio virtual. As fotografias foram feitas em exatos oito minutos. Tem sido assim com todos. Por precaução.

“Sou uma mulher de 92 anos. Tenho a imunidade baixa. Não sabemos o que nos acontecerá e nem por quanto tempo ainda enfrentaremos esse vírus”, sintetiza a atriz.

Com o falecido marido, o ator Fernando Torres – “Amor de uma vida” – com quem teve dois filhos

Planos para o retorno
A inquietude de Fernanda Montenegro tem nome: trabalho. É uma mulher vocacionada a atuar, à troca com o outro, à busca por experimentações. No palco, a atriz destacou-se com outros grandes nomes do teatro brasileiro ao integrar e até fundar companhias que traduzem a própria história das artes cênicas no país. Entre esses, está Fernando Torres, com quem foi casada por seis décadas. Fernanda sempre arrebatou público e crítica por suas interpretações impecáveis. Estreou em “O mambembe”, do jornalista e teatrólogo brasileiro Artur de Azevedo. Mas, ao longo da carreira, encarnou personagens de Jean Anouilh, Georges Feydeau, Pirandello, Bernard Shaw, Harold Pinter, Beckett, Friedrich Dürrenmatt, Fassbinder, Racine, Tchekhov. O seu repertório é vasto e plural.

No cinema, deixou o mundo boquiaberto, 22 anos atrás, pela irrepreensível interpretação de Dora, a professora aposentada que escrevia cartas para trabalhadores na Central do Brasil, a principal estação ferroviária do Rio de Janeiro que intitulou o filme homônimo de Walter Salles. A atuação levou Fernanda a ganhar o Urso de Prata no Festival de Berlim e a ser indicada ao Oscar de Melhor Atriz em 1999 e ao Globo de Ouro de Melhor Atriz em Filme Dramático. É a única atriz do Brasil com indicação ao Oscar.

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Ano passado, a atriz norte-americana Gleen Close, em entrevista à ABC News, falou de Fernanda Montenegro, argumentando que ela merecia ter ganhado o Oscar: “Eu lembro aquele ano em que Gwyneth Paltrow ganhou daquela atriz incrível de Central do Brasil. Eu pensei ‘o quê’? Isso não faz sentido”, declarou Gleen. A televisão, espaço que Fernanda também domina com maestria, tendo participações em um sem número de novelas e especiais, proporcionou-lhe vencer a disputa pelo Emmy Internacional de Melhor Atriz, em 2015, com a série Doce de mãe. Apesar dos incontáveis prêmios (são mais de 40), Fernanda é categórica quanto a premiações:

“Nunca trabalhei pensando em prêmios. Eu sempre me dediquei para dar conta do meu ofício. Segui o exemplo do meu pai, que foi um modelador mecânico, iniciando-se na profissão durante o período em que viveu num orfanato. O importante é termos amor inarredável pelo que fazemos. Se vier, ótimo. Mereço. Mas, às vezes, mereço e não vem. Não vou parar a minha vida pensando em algo que merecia, mas não ganhei”, ressalta.

Fernanda não vê a hora de voltar aos palcos. Quer retomar o espetáculo Nelson Rodrigues por ele mesmo e adianta que também deverá reviver Simone de Beauvoir em Viver sem tempos mortos, um recorte de textos da intelectual francesa cuidadosamente selecionados. Sem patrocínios, Fernanda aterrissou com os dois monólogos em espaços das periferias de Estados e municípios de Norte a Sul do Brasil. Deseja reviver a experiência que tem como objetivo a sensibilização de plateias compostas por pessoas historicamente subalternizadas. Em alguns desses lugares, desenvolveu oficinas para jovens, um trabalho intenso de imersão teatral com duração de oito horas diárias.

Com a filha, grande atriz e escritora de sucesso, Fernanda Torres

Trata-se de uma atividade árdua, artesanal e apaixonada. Talvez aí esteja a explicação de a atriz ter recusado ser ministra da Cultura, há 37 anos. Em março de 1985, Fernanda Montenegro recebeu do ex-secretário da Cultura de Minas Gerais e futuro governador do Distrito Federal José Aparecido de Oliveira um convite para assumir o cargo principal no então recém-criado Ministério da Cultura. Ele fora um interlocutor do presidente José Sarney. Em carta, a atriz esclareceu os motivos da recusa: “Não é fácil dizer ‘não’. Não vejo que seja mais fácil decidir pelo Teatro. Ou mais seguro. O Teatro nunca foi fácil ou seguro. Mas é o meu lugar”.

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Tais quais as críticas recebidas quando foi convidada para ser titular de uma pasta ministerial, Fernanda Montenegro não tem sido poupada pelos cartesianos da intelectualidade que, contrariados, não avalizam a eleição de uma atriz popular (a primeira no país) para ocupar um dos assentos da tradicional instituição dedicada a literatos. Quando enfrentou os petardos décadas atrás, disse que “para aqueles que veem, preconceituosamente, a indicação de um artista para um tão alto cargo, respondo, sem exagero, que esse Brasil novo nasceu num palco armado na praça”. Fernanda não mudou. Mas a ABL, sim, ao vir construindo um projeto de aproximação da casa com a população por meio de imortais que representam a cultura das massas.

“Há um teatro por lá, no qual já me apresentei. Eu penso em fazer algo com aquele espaço. Mas estou aguardando as orientações da Academia”, diz Fernanda, esbanjando invejável vitalidade sem, no entanto, fugir às questões inerentes à existência.

Em uma incomum declaração pública acerca da finitude da vida, Fernanda surpreende ao refletir holisticamente sobre a transitoriedade das matérias, do corpo físico e da alma. Indagada se tem medo da partida (morte), ela finaliza emocionada: “Sentirei saudade. Gostaria de levar comigo a minha memória. Eu tive um desmaio (em 2019) durante uma gravação no Sul do país. Eu demorei para acordar novamente. Mas, quando voltei, senti uma paz absoluta que contrastava com todo aquele alvoroço ao meu redor. Neste retorno, havia um hiato. Eu não lembrava do passado e nem do presente. É como se tivesse acontecido um desligamento. Será que a morte é isso? Não sei. E diante deste mistério ficamos especulando para onde iremos. Se eu for para algum lugar, eu queria muito levar a minha memória. Gostaria de fazer-lhe um pedido: que me enviasse uma cópia desta entrevista. Queria tê-la. Porque tudo já é meio uma despedida para mim. Uma hora acaba. Não tem jeito”.

Veja a atuação espetacular de Fenanda Montenegro na série Doce de Mãe:

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